15 Julho 2021      10:54

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Estudo revela que brisas formadas no Alqueva têm impacto no clima local

Investigadores da Universidade de Évora, num artigo científico, confirmaram que o gradiente térmico à superfície entre o centro da albufeira do Alqueva e as margens permite o estabelecimento de brisas de lago e terra – que têm impacto no clima local, avança o Público.

A albufeira do Alqueva, que se estende ao longo de 83 quilómetros do curso principal do rio Guadiana, é considerada uma reserva hídrica estratégica para o Sul do país e veio alterar significativamente a paisagem da região, sendo agora um laboratório natural para o estudo da interação entre massas de água e a atmosfera.

Durante dois anos, cinco investigadores do Instituto de Ciências da Terra (ICT) da Universidade de Évora estudaram a barragem do Alqueva e puderam confirmar que o gradiente térmico à superfície entre o centro da albufeira e as margens é o “principal gatilho” para a formação de circulações atmosféricas, nomeadamente as chamadas “brisas de terra” e “brisas de lago”, numa zona onde a albufeira tem cerca de dois quilómetros de largura de margem a margem.

O estudo, realizado no âmbito do projeto ALOP – Sistemas de Observação, Previsão e Alerta na Atmosfera e em Reservatórios de Água do Alentejo, baseou-se em medições atmosféricas recolhidas por três estações meteorológicas entre maio de 2017 e abril de 2019. Duas dessas estações estavam instaladas em margens opostas da albufeira do Alqueva, distanciadas cerca de dois quilómetros uma da outra, e a terceira estação estava numa plataforma flutuante perto do centro deste reservatório de água. 

Os resultados do estudo foram agora publicados na revista da revista Atmosphere, no artigo científico “Lake and Land Breezes at a Mediterranean Artificial Lake: Observations in Alqueva Reservoir, Portugal”, que aborda as circulações térmicas na barragem do Alqueva.

Em declarações ao jornal Público, Miguel Potes, investigador da Universidade de Évora e um dos autores deste estudo, afirmou que “este estudo permitiu quantificar o número de horas de brisa de terra e de lago, as horas em que são mais frequentes, a sua duração e intensidade e principalmente as condições necessárias para o desencadear de cada uma das situações”.

As brisas são fenómenos de circulação atmosférica que são induzidas pelos contrastes térmicos entre superfícies de terra e água. Quando o ar nas margens de um lago está a uma maior temperatura do que o ar no centro do lago, dá-se então a formação de brisas lago.

Rui Salgado, também investigador da Universidade de Évora e autor neste estudo, explica que estas brisas são como as brisas de mar, que os portugueses tão bem conhecem. “Quando estamos na praia, aqui na costa portuguesa, começa a levantar-se vento que vem do mar. Isso é brisa do mar. O mesmo acontece nos lagos, quando há vento que vem do lago, ou neste caso da albufeira”, explica. “As brisas do lago vêm em direção à terra: do lago para a terra. Vêm sempre de onde está mais frio para onde está mais quente”.

O estudo constatou, então, que estas brisas de lago registaram a sua maior frequência no verão, sendo a sua intensidade entre um e dois metros por segundo, e desenvolveram-se mais durante o dia, frequentemente entre as 7h e as 16h – quando “a temperatura do ar nas estações em terra é mais elevada do que a temperatura registada na estação em água”.

Quanto às brisas de terra, estas ocorrem quando a temperatura do ar no centro do lago é maior do que a das suas margens, impulsionando deslocações de ar de terra para o centro da albufeira. O mesmo estudo constatou que estas brisas tiveram a sua maior frequência no inverno. Quase insignificantes durante o dia, estas brisas são mais frequentes entre as 17h e as 8h e atingem uma intensidade entre 0,5 e 1,5 metros por segundo.

Durante o período total do estudo, as brisas de terra registaram uma maior frequência em relação às brisas de lago. De acordo com Miguel Potes, “foram registadas mais brisas terrestres porque anualmente o gradiente térmico entre as margens e o centro da albufeira é mais negativo (a temperatura nas margens é mais baixa do que na albufeira)”.

Embora ocorram com maior frequência no inverno, mesmo no verão o estudo observou que “houve condições para a circulação de brisa terrestre”, nomeadamente durante a noite e de manhã cedo, quando a superfície terrestre arrefece, permitindo a sua formação.

Rui Salgado explica ainda que uma das conclusões deste estudo foi o impacto das brisas terrestres e de lago na temperatura local. “O facto de estar lá a albufeira ameniza a temperatura na zona muito circunscrita, muito perto da albufeira. Não tem um efeito muito alargado, é um efeito local”.

Já Miguel Potes reforça que “o impacto destas brisas faz-se sentir sobre a albufeira e suas margens com uma extensão de até seis quilómetros para o interior, pelo que se trata de um efeito meteorológico local”. Além disso, estas brisas apenas se fazem sentir nos concelhos abrangidos pela albufeira – Portel, Moura, Reguengos de Monsaraz, Mourão e Alandroal.

“No verão, as brisas de lago que ocorrem durante o dia ajudam a amenizar as temperaturas nas margens e no Inverno as brisas de terra que ocorrem durante a noite e madrugada trazem ar mais quente do interior [da albufeira] para as margens”, acrescenta. No quadro das alterações climáticas, em que há projeções de aumento das onde de calor, Miguel Potes afirma que as brisas de lago “ajudam a amenizar localmente as temperaturas”.

 

Fotografia de publico.pt