13 Janeiro 2018      11:54

Está aqui

ESTRUTURA

Não fazia mal. Não faz mal. As coisas arranjam-se e resolvem-se por si próprias. Palavras de alento que lhe diziam para sossegar a pobre alma que se consumia num quarto escuro, pensando no que fora e no que era e no que poderia ser. Aventava uma série de hipóteses e nenhuma fazia sentido ou a soma de todas as hipóteses acabava por nunca dar certo. Nem aldrabando o meio, mantendo o resultado correto, não chegava lá. A pobre alma, continuava a ofegar, na sala escura. Projetava-se esta imagem no ecrã atrás da pessoa quem falava.

A professora, psiquiatra de anos e anos de experiência, dissertava, então, assim, no auditório para um largo número de alunos da licenciatura. Uns seriam médicos no mesmo ramo que ela, outros talvez não chegassem a ser, nessa especialidade. Mas ouviam com alguma atenção aquele caso que era apresentado. Era uma questão de estrutura, dizia. E, efetivamente, em cada uma das mentes que processava o que ouvia, estruturava-se o pensamento e criava-se uma estrutura de dedução de possibilidades, tal como fazia a alma que, no vídeo, lutava e tentava estruturar-se.

Era complicado, continuava a professora. Todas a estruturas são complicadas, acrescentava. Aquilo que dizia, soava estranho aos mais desatentos. Entretanto, um boceja e toda a plateia boceja. A professora continua. Não foi contaminada pelo bocejo coletivo que, podendo indicar que toda a gente estava aborrecida com a palestrante, não era este o caso. Era um reflexo de fome, por parte do primeiro. O acontecimento, contudo, abalou a estrutura que estava montada.

A nossa vida e estrutura pessoal de cada um é como uma casa, o nosso sistema nervoso é comparável aos alicerces de uma casa que se constroem e seguram toda a restante estrutura: Serviria esta introdução para explicar a ansiedade do caso observado, em vídeo, atrás de si.É possível, digo eu. Porém, eu não percebo muito, ou quase nada, de psiquiatria ou doenças do foro psíquico, e poderei estar a dizer uma asneira monumental e os entendidos terão o direito de a refutar. Não é por aí. É, neste caso, relatar um evento. Uma aula, normalíssima, onde se fala sobre estrutura física, mental e psíquica. Onde uma professora fala, de forma estruturada, para toda a plateia onde estão tantas estruturas quanto almas. Umas estruturas serão mais equilibradas, outras mais complexas, talvez haja umas menos e outras assim assim. No fim, tudo é enquadrável na estrutura maior que é a sala de aula, a Faculdade e a Universidade.

Prosseguia a professora, reparem nos olhos da pobre alma, espírito, corpo físico. Não podemos induzir o que provocou o abalo na sua estrutura. Nenhum dos alunos tinha a resposta. Nem a poderia ter. Aquela aula também não se destinava a encontrar respostas. Era intenção da locutora, encontrar um esquema que pudesse desenhar no quadro, que os alunos pudessem copiar para os seus equipamentos e, no fim dos 120 minutos, se tivessem gerado possíveis conclusões, tantas quantas aquelas que estavam na sala. Falava-se e pensava-se em tantas coisas e, no fim, resumiríamos, a nada. Como digo, não pretendo fazer grandes inferências. Não conheço o assunto e seria contraproducente.

O que interessa, neste vago texto, é a estrutura. A minha, que se abala de vez em quando, que se mantém firme noutras alturas. A minha, de narrador, não a do autor do texto. Somos estruturas diferentes. Uso a mente dele e a estrutura física para, nas teclas do computador, extravasar o meu pensamento. Ele não se lembrará das palavras que escrevi, amanhã, nem no dia seguinte. A minha estrutura interferiu com a sua e apropriou-se. A professora explicaria isso muito bem. Eu não. Teríamos, para isso, de a convidar a juntar-se ao nosso diálogo. Coisa que me parece impossível porque ela fala, não ouve. Os alunos sim, ouvem e não escondem, uns, a atenção e o prazer que fruem pela absorção de palavras que se transformam em ideias na sua mente. Em outros, o discurso acaba por parecer fugaz e as mentes recebem as palavras, deixando-as passar a ser uma nuvem de fumo como aquele que sai de um cigarro a arder, sozinho, no cinzeiro.

Será tudo uma questão de perspetiva. Será tudo arquitetado de forma a fazer algum sentido e deixar o leitor a pensar, como se faz aqui. Confesse. Está neste momento a pensar na sua própria estrutura. Já visualizou os alicerces e os andaimes, que se organizam dentro do seu corpo, como relata a professora no discurso. Confesse, está, dentro daquela sala.  

 

Imagem de abrilexame.files.wordpress.com