19 Abril 2019      16:14

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Encerrar (a central nuclear de) Almaraz é central e nuclear!

Fala-se que a Central Nuclear de Almaraz (CNA), em funcionamento desde o início da década de 80 e com uma vida útil de 40 anos (deveria encerrar em 2024), poderá ver o seu encerramento adiado por mais alguns anos, caso o desejo dos seus accionistas (Iberdrola, Endesa e Naturgy) obtenha resposta positiva de Madrid.

Como sucede amiúde neste mundo, onde determinados interesses económicos se sobrepõem a todos os outros, parece que o encerramento da CNA não agradará às empresas accionistas (sim, sim… os sacrossantos accionistas e mercados), pois o seu funcionamento representará lucros superiores a 160 milhões de euros anuais (e estando o investimento inicial já pago)…

Todavia, eis algumas das razões que têm sido apresentadas, que questionam o casmurro funcionamento da CNA e apoiam o tão ansiado encerramento da mesma: a mais antiga de Espanha, ultrapassando em mais de 5 anos o seu período de vida útil; reprovação nos testes de resistência feitos pela Greenpeace (e.g. prevenção de uma explosão de hidrogénio como a de Fukushima; contenção da radioactividade em caso de acidente grave; avaliação de riscos naturais); mais de meia centena de acidentes, de 4000 modificações e de 30 paragens de emergência, desde a sua inauguração; irrelevante contributo para o sistema energético espanhol actual e nulo para o português; risco constante para o Tejo, para o território envolvente e para o português, por estar à beira deste rio e a cerca de 100 km da fronteira (e a cerca de 155 km de Castelo Branco, 160 km de Portalegre, 235 km de Évora, 275 km de Beja, 345 km de Sines, 320 km de Lisboa…), com implicações profundas na vida e na saúde de gerações (e.g. contaminação espacial e temporal, em larga escala)…

Dado que uma primeira preocupação minha é, sempre, prestar atenção ao território que me envolve, pois importa ter os pés bem assentes na terra, ou não tivesse eu formação em Geologia e abraçado o Slow Food (cujo símbolo é um caracol…), fui conhecer etimologicamente Almaraz (por onde tenho passado a caminho de Madrid, sempre com alguns arrepios).

E assim foi! Feita uma breve consulta sobre a possível etimologia de Almaraz, surgiram referências (cuja validade não comento) a ponte (árabe almarach), encontro (árabe almaraz), lavoura/terras de cultivo (árabe al-marat) e, mesmo, encosta que se ergue na margem esquerda do Tejo, em frente a Lisboa, a partir de lugar por onde se sobe (árabe al-maraje)…

E todos estes conceitos fizeram cintilar ideias sobre a presença da CNA: a sua continuidade não é, nem nunca será, uma ponte para um futuro risonho, nem um encontro com um futuro mais verde, nem com a fertilidade induzida pela lavoura/por terras de cultivo, mas, se se persistir nesta teimosia, antes um lugar por onde se sobe para consequências atrozes para todos, Tejo, Espanha e Lisboa (e Portugal) incluídos!

Com formação na área da Geologia e tendo abraçado o movimento Slow desde longa data (1999), a minha percepção da Terra-Mãe, da passagem do tempo, da fragilidade da actuação humana é, creio, alguma…

E a Geologia, que sente, estuda e tenta compreender a Terra, tem notado que, neste berlinde azul, com 4.600 milhões de anos (46 milhões de séculos!), o Homo Sapiens Sapiens, que terá surgido há 30.000 anos (menos de 1 % da idade da Terra!), poderá estar a conseguir concretizar aquela que poderá anunciar-se como a 6.ª extinção em massa neste planeta, com a novidade de ser a primeira que contará com o nosso “engenho”! E o nuclear, seja sob a forma de armas, seja sob a forma de centrais nucleares, afigura-se como um determinante contributo para tal “desiderato”!

Por todas estas e outras razões, defendo o encerramento da CNA, não por ela estar perto do Alentejo (onde vivo), mas por simplesmente… estar! Sim, estar! Estará sempre muito perto, qualquer que seja a distância a que esteja (e são somente cerca de 100 os km até à fronteira)!

Seja aqui, ou noutro lugar qualquer, sou e serei contra quaisquer centrais nucleares! Contra um perigo invisível, implacável, atroz e persistente no tempo (muitos, muitos, muitos anos, pelo menos), criado e manipulado por nós, humanos, que julgamos que tudo podemos fazer a este planeta, pois cremos que tudo existe para nossa fruição, para nos servir… deslumbrados com a nossa reduzidíssima perspectiva temporal, à nossa pequena escala e de muitos dos nossos mesquinhos interesses, que menosprezam as potenciais consequências nefastas do uso da energia nuclear (e.g. Hiroshima, Nakasaki, Chernobyl)... Invisível persistência prolongada no tempo… Generalizada impotência!

E, todavia, temos ao dispor outras formas de produção de energia em nosso redor, tão naturais (e.g. o sol, o vento, a água), verdadeiramente nucleares (essenciais) para uma presença duradoura e sustentável neste pequeno berlinde azul (cada vez menos azul) que gira em torno de uma pequena estrela, nos subúrbios da nossa galáxia, no infinito espaço indiferente ao facto de constantemente olharmos somente para… o nosso umbigo!

Sim, sou a favor do encerramento da Central Nuclear de Almaraz, pois não sou indiferente ao futuro que importa deixar aos vindouros: um planeta azul em condições de defender a muito ameaçada biodiversidade que garantiu, até agora, a nossa vida na Terra!

Esta não é uma questão somente espanhola, mas também alentejana, beirã, portuguesa… e de todos os outros!

 

Para mim, central e nuclear é… fechar Almaraz!

Almaraz no mas!!

 

Victor Lamberto

(engenheiro geólogo, gastronauta inquieto, Slow Food Alentejo & Eat-inerários Slow @ Alentejo…)

 




[1] Baseado num texto publicado em 7/10/2017 na página do Facebook “Cerrar Almaraz” …

 

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