27 Fevereiro 2018      17:55

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Educar entre o rigor e a alienação

Não tendo, inicialmente, previsto dedicar o texto deste mês à temática das religiosidades impostas às crianças entre os 5/6 anos, fui recentemente confrontada com esta realidade. Assim, senti a necessidade de lhe dedicar algumas linhas.

Em construção permanente, as questões da cidadania continuam a marcar as agendas de muitos dos nossos docentes. Entendendo a educação, que compete ao Estado assegurar, como um direito fundamental de todo o cidadão, os temas relacionados com a cidadania e as verdades são essenciais na formação das crianças; quanto mais cedo se iniciarem, melhor.

Como muitos colegas continuo a pensar que a finalidade formativa deve prevalecer sempre sobre os tradicionalismos, sejam eles sociais ou religiosos. No entanto, alguns conceitos mora, em estreita ligação com as religiões, continuam a minar assuntos relacionados com as liberdades fundamentais. Os catequismos continuam a adulterar conceitos e, por vezes, a sobreporem-se às práticas assentes nos Direitos Humanos. Continua-se a ensinar que a homossexualidade é um comportamento desviante, que o aborto é crime, que a etnia branca é a mais credível…entre muitas outras aberrações que são dadas à absorção pelas crianças. E assim permitimos que se “eduquem” crianças de 5/6 anos, adulterando noções de liberdade e respeito pelas verdades.

Se a vontade de liberdade é inerente à formação dos cidadãos, precisamos investir em crianças critica, interventivas e não formatadas por religiosidades castradoras, sejam elas quais forem. Esta espécie de civilidade caduca não é mais do que uma forma de exclusão para com certos grupos societários.

Os códigos de “boas-maneiras” ensinados nas catequeses vão contra tudo aquilo que se pretende para uma sociedade igualitária e justa. A normalização dos costumes, a ausência de rigor científico na informação prestada e a educação pelo medo continuam a ser apanágio deste tipo de moralização imposto às crianças.

A atual hegemonia da igreja católica continua a marcar as vivências das nossas aldeias; a desinformação continua a afetar, acima de tudo, os mais vulneráveis. Raro é o progenitor que não tem os seus filhos a frequentar a catequese. Na escola pretende-se proporcionar prazer com e no conhecimento mas, muitas vezes, este conhecimento é questionado pelos catequistas, através das crianças. Os miúdos andam baralhados com conceitos adulterados e, os mais perspicazes interrogam os fundamentos. Em quem acreditar: nos professores ou nos catequistas?

Esta continua e total submissão à igreja faz prevalecer crendices e verdades inexistentes.

Se os adultos optarem por viver religiosidades, é uma escolha legítima e mesmo que eu a considere ignorante, que só a eles diz respeito; mas estes não se podem esquecer que as crianças não são sua propriedade. Obrigá-los a assimilarem e a viverem com medo de um deus qualquer (com tudo o que isso implica) vai contra alguns dos seus direitos fundamentais. Só para relembrar a Declaração Universal dos Direitos das Criança refere, entre outos que: deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade e que esta deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Deve ser educada num espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universal, e com plena consciência de que deve devotar as suas energias e aptidões ao serviço dos seus semelhantes.

Se não rotulamos as crianças de fascistas, socialistas, comunistas… porquê continuar a classificá-las como católicas, muçulmanas, hindus…?

Até quando permitiremos que se dominem os corpos, que se controlem as mentes, que se estigmatizem comportamentos, opções e vontades?

Imagem de capa de TONY GENTILE / REUTERS