4 Janeiro 2021      10:20

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Educação em tempo de pandemia Um Mi(ni)stério de oportunidades perdidas

Em tempos de pandemia todos os setores da vida têm passado por dificuldades das mais variadas índoles. Dificuldades nunca antes experimentadas, nem tão pouco imaginadas nas nossas piores conjeturas. As escolas não têm sido, nem poderiam ser alheias a essas dificuldades e, de um modo geral, todos os que contribuem para o seu funcionamento, têm feito um enorme esforço para as manter abertas numa tão diferente “normalidade”. Quase todos temos tentado, tanto quanto possível, privilegiar as aprendizagens dos alunos, valorizando o seu bem-estar, sem descurar um olhar atento às condições de saúde e de higiene em que as atividades letivas e lúdicas se vão desenvolvendo.

No atual cenário ganha verdadeiro sentido a expressão de que a escola e todos os seus intérpretes se tiveram que reinventar. Mas (há sempre um mas), quando saliento que de um modo geral quase todos têm revelado um esforço muito, muito grande de adaptação, de resiliência e de trabalho, muito para além do que era suposto e previsível, questionome se o Ministério da Educação e todos os que por lá desempenham cargos de relevância têm, no mínimo, percebido, que era fundamental e imprescindível acompanhar os que “fazem a escola” no seu dia-a-dia nesse esforço e nessa adaptação.

Parece-me que não é necessário ter grandes conhecimentos para perceber que da parte do M.E. e das entidades institucionais que tutelam as escolas esse esforço, essa adaptação e uma eventual necessidade de reajustamento e de reformulação não têm sido feitos ou, se aconteceram até agora, decorrido todo o primeiro período letivo e prestes a iniciarmos o segundo, não têm sido visíveis, nem contribuíram para a promoção de alterações na verdadeira dinâmica das escolas.

Talvez ninguém nas instâncias superiores ligadas às nossas escolas tenha ainda compreendido que num tempo de tão grandes mudanças não faz qualquer sentido continuar, fingindo que nada se passa, por exemplo com anteriores modelos de avaliação ou continuar a trabalhar com programas demasiado extensos, de conteúdos despicientes e repetidos em algumas áreas e disciplinas.

Pergunto-me se, entre tanta gente verdadeiramente capaz e competente que acredito existir nas instituições que tutelam a educação em Portugal, não terá havido pelo menos uma mente mais lúcida, discernida e iluminada, com autoridade e atrevimento para ousar propor, a quem de direito, que este era o ano e o momento para mudar.

Acredito que, numa época tão adversa e tão inusitada, estamos a passar ao lado e a desperdiçar uma oportunidade única para promover verdadeiras mudanças, designadamente no que diz respeito à forma como avaliamos os alunos nas nossas escolas. Não seria este o momento para nos centrarmos mais significativamente nas aprendizagens e menos (muito menos) nas preocupações de cariz avaliativo e burocrático que tanto norteiam as práticas letivas?

Parece-me que, até em razão da irregularidade ao nível de frequência dos alunos e da desigualdade que daí advém, provocando níveis bastante diferentes de aprendizagem e um grau de heterogeneidade muito maior que o habitualmente observado, esta seria a oportunidade de dar esse passo para a mudança de um paradigma há muito desajustado e inapropriado, mas tão arreigado ao sistema escolar.

Nunca foi tão importante centrarmo-nos fortemente nas aprendizagens e nos alunos como agora!

Considero que só uma completa cegueira ou um inexplicável mistério poderão explicar o desaproveitamento desta oportunidade, neste contexto tão inusitado e específico, para alterar, sem receios nem pudores, alguns modelos que mais do que se preocuparem com o conteúdo se centram sobretudo na forma, que mais do que privilegiarem o acompanhamento das aprendizagens dos alunos e a disponibilização de meios e recursos facilitadores das mesmas vivem obsessivamente em função de resultados e de rankings.

Não seria esta uma oportunidade para promover alterações no acesso ao ensino superior?

Fará sentido num ano letivo como este, não esquecendo as contingências do anterior, a manutenção da realização dos exames nos moldes habituais como se nada se tivesse passado?

Terá alguma lógica realizar provas de aferição, principalmente as de segundo ano de escolaridade, quando estes alunos, tão novos e imaturos vivenciaram no seu primeiro ano de escolaridade uma realidade para a qual nenhum de nós estava preparado?

É por todas estas razões que penso que só um Mi(ni)stério de oportunidades perdidas e desperdiçadas, que menospreza e desvaloriza profundamente a essência dos saberes, das aprendizagens e dos seus principais intérpretes e que vive ou adormece a leste da verdadeira realidade das nossas escolas, poderá explicar esta letargia pedagógica da principal entidade da Educação em Portugal.

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António Rocha Pereira é professor do 1º ciclo e coordenador da Escola Básica do Bairro do Frei Aleixo em Évora. É licenciado no Curso de Estudos Superiores Especializados em Desenvolvimento Pessoal e Social da Universidade de Évora e Mestre em Ciências da Educação, Especialização em Supervisão Pedagógica também pela Universidade de Évora. É ainda professor cooperante e orientador dos estágios de Mestrado do Curso de Ensino Básico da Universidade de Évora, avaliador externo e autor de livros de apoio ao estudo e paraescolar.