30 Março 2016      11:29

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É POR ISSO QUE NÃO GOSTO DE POLÍTICOS...

A cada dia que passa gosto menos de políticos… E já agora, de estudos descontextualizados. E o desastre acontece quando há políticos a debitar patetices sobre estudos descontextualizados.

Vem isto a propósito de uma notícia do Jornal de Negócios, com o título “Cursos de Economia em Portugal: muita matemática e pouca reflexão”, notícia do passado dia 23 de março. E de uma posta (sim, foi propositado) de uma responsável política (Catarina Martins) sobre esta notícia em que escreve, e cito "A diversidade do pensamento económico presente nas faculdades portuguesas é praticamente inexistente" (já agora, senhora deputada, “de” tem duas letras…).

Vou só reter-me na forma como começa a notícia.

“Mais de um terço dos créditos das licenciaturas de Economia em Portugal é dedicado à matemática e à gestão, enquanto apenas 1,6% vai para cadeiras de ética, pensamento crítico e de teoria e história do pensamento económico.”

Não vou fazer a contabilização dos créditos que tive ou não na minha licenciatura, nem tenho o diploma aqui ao pé. Mas desde logo aqui há uma falácia que me salta à vista: se vierem procurar no meu curso, não encontram nenhuma unidade curricular que tenha ética ou pensamento crítico como referência. Mas eu não preciso de nenhuma unidade curricular com esse nome para ter um comportamento ético e um pensamento crítico…

Os meus professores de Macroeconomia ensinaram-me a pensar nos problemas que tratávamos, além de obviamente termos abordado as diferentes formas como as correntes de pensamento olhavam para a Economia. As minhas professoras de Microeconomia, apesar de ser uma disciplina muito técnica, ensinaram-me a olhar para os pressupostos dos modelos que analisávamos. Os meus professores de Econometria ensinaram-me que esta disciplina pode ser utilizada para confirmar a teoria económica, mas também me ensinaram a pensar sobre os resultados. E podia continuar com o que aprendi em disciplinas de Economia Monetária e Financeira, de Investigação Operacional, Economia Regional e tantas outras (ok, confesso que as disciplinas de Matemática foram mais técnicas, mas eram lecionadas por matemáticos de formação, que de Economia pouco ou nada percebiam). E tudo isto foi contextualizado pela História do Pensamento Económico (que compõe os 1,6% do ramalhete lá de cima).

O essencial, para mim, é que eu não preciso de ter uma unidade curricular intitulada “Pensamento Crítico em Economia” para que esse pensamento crítico passe para os alunos! Se não me tivesse sido passado esse espírito crítico, não sei como teria seguido para mestrado e para doutoramento; não sei como me teria envolvido com a Estatística Física traindo, de certo modo, a Econometria; não sei como, na mesma tese de doutoramento, escreveria sobre abstenção e eleições, utilidade, integração financeira e eficiência dos mercados; não sei como é que me envolvia em análises de rankings da UEFA, ações de clubes de futebol, ações de bancos, crescimento económico, inovação, empreendedorismo; não sei como conseguiria escrever mais de uma dezena de livros em cerca de 10 anos…

Há depois uma frase que diz que “O que se passou nos últimos anos não foi apenas uma questão de uma massiva falha de mercado, é também uma massiva falha da análise económica.” Suponho que diga respeito também à crise atual da zona euro. A minha dissertação de mestrado, parte da minha tese de doutoramento e, consequentemente, uma parte significativa dos meus artigos científicos (4 ou 5, talvez) indica claramente os motivos da crise da moeda única. Assim como um artigo mais recente identifica que uma condição necessária para a convergência económica na zona euro (isto é, crescer mais do que a média) está relacionado com a redução do peso da despesa do estado nas economias. Estas são falta de espírito crítico dos políticos…

Por fim, em relação à notícia, há uma coisa nela com a qual: devemos repensar o ensino… mas não só o ensino da Economia. Porque o problema, em meu entender, está muitas vezes em quem se senta nas cadeiras e não em quem está em pé. Eu sinto, muitas vezes, essa dificuldade. Porque a única forma que tenho de passar a mensagem de Economia a alunos que a veem como uma disciplina de marcianos é tentar puxar esse espírito crítico. Mas nem sempre funciona.

Para terminar a notícia, e já que provavelmente incendiei os ânimos com os dois primeiros parágrafos, deixem-me puxar aqui do extintor: o que contesto mesmo é que alguém com responsabilidades venha atirar para público uma notícia da forma como foi atirada. Porque isso faz logo com que haja pessoas a dizer que os Economistas isto e aquilo, estudam fórmulas mas não percebem nada, a teorias deles “coiso e tal”… lá está, o que me fez escrever o livro “Economia explicada ao meu filho”, eventualmente sem espírito crítico… Porque independentemente de concordar ou não com o pensamento da Catarina Martins, acho-a uma pessoa muito inteligente… simplesmente acho que desta vez não procedeu com a inteligência habitual…

Imagem de capa daqui.