26 Abril 2018      18:11

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E depois de Abril

A minha avó materna contava-me muitas histórias sobres bruxas, figueiras de figos pretos de onde saiam “fogos/luzes” que perseguiam as pessoas e muitas sobre “pegos” nas ribeiras onde desapareciam carretas de bois inteiras. Essas historias tinham o condão de me assustar, mas também de estimular muito o meu imaginário e de me abrir a muitas possibilidades. Todas eu recordo com intensidade e carinho, mas haviam outras histórias, três para ser correto, sobre a realidade, vista pelos olhos dela, que me marcaram como pessoa. Eram sobre o antes e o durante o 25 de Abril de 1974.

A primeira era sobre ela. Dizia ela que “vivia na miséria, era explorada pelos patrões que também abusavam das moças novas que tinham ao serviço nas herdades, mas os bailes de roda eram lindos, cantávamos e dançávamos noite fora.” Dizia, portanto, que antes do 25 de Abril “era feliz porque era nova!”

A segunda era sobre a tristeza que começou quando, segundo ela, na rádio ouvia “Goa, Damão e Diu… Goa, Damão e Diu. Gritavam e gritavam as pessoas de cá, que eu ouvia na rádio. Choravam e gritavam Goa, Damão e Diu…. Tínhamos perdido aquilo tudo.”

A terceira era sobre a esperança, materializada pela chegada de Mário Soares a Portugal vindo, do exílio, no chamado “comboio da liberdade”. Dizia-me, com lágrimas nos olhos que “ele tinha uma voz tão forte Hélder e dizia as coisas mais importantes. Gostava tanto de o ter visto assim ao pé de mim.”

Morreu sem o ver ao pé dela. Nem eu lá estava e choro, por vezes, essa minha falta à minha avó.

Ela e as suas histórias fizeram de mim socialista, fizeram de mim uma pessoa que acredita no seu país, que sabe que existe um legado que não vem só nos livros de história que me contaram na escola. Um legado que tem pessoas reais dentro. Pessoas que não tinham liberdade, que não tinham a sua dignidade individual garantida. Como a minha cara presidente da Assembleia Municipal de Odemira disse no outro dia no seu discurso comemorativo do 25 de Abril eram, apesar de “novas”, semipessoas! A minha avó sabia bem!

É muito por ela que eu também sei bem. Porque relaciono coisas lidas em livros, com coisas contadas com expressões de pessoa real que eu amava. E agora, depois de abril que já vai maduro, que tenho eu para contar à minha filha? Quem é que vai contar às crianças nascidas cá, mas filhas e netas de pessoas que não são de cá, as histórias que as vinculem cá?

No outro dia ouvi parte de uma crónica de opinião na rádio sobre uma criança filha de pais chineses que, num banco de jardim, sozinho, acompanhava, cantando e repetindo, a “Grândola vila morena” que vinha do seu telemóvel. “Aprender também é repetir” dizia a crónica, mas e o conteúdo e a razão do que se repete? Quem ensina a essas crianças porque é que aquela canção é mais do que uma canção?

E agora, depois de abril que já é maduro, que lutas temos nós pela frente? Que novos cantores revolucionários temos hoje?

No outro dia, dia 26 de abril, enquanto cozinhava ouvia, deliciado, musicas que gritam coisas fantásticas como “ela é medusa, a vitima que toda a gente acusa… seminua, semissua, semimorta porque mais ninguém se importa… É uma sombra… Em cima da ponte está a tua irmã desaparecida em interação com instintos suicidas, em cima da ponte está uma mulher que bombardeiam por usar a liberdade sexual tão propalada, em cima da ponte está a tua vizinha acanhada… rebaixada por vexames que se acumulam” … “para ser rainha nunca foi preciso um rei” ... “eu avisei-te, eu avisei. Nunca acreditaste em mim eu sei, eu superei-te e para ser rainha nunca foi preciso um rei!” … “no tempo em que o mar morto ainda estava a ficar doente... não tenho tempo para ti, estou ocupada a fazer história!”

E como conclusão “por cada vitima acusada e transformada em monstro, cresce a ira da Medusa!... Cuidado com ela, a cadela!”

Gosto da Capicua!

Viva o 25 de Abril!