26 Agosto 2018      10:29

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Manchester By The Sea - Ao actor, o lugar que lhe pertence

Numa época em que ao actor se pede somente uma de duas, ou performance (entusiasmo) ou ausência (anonimato), um filme como Manchester By The Sea ressoa como um chamamento das profundezas. Bons papéis, como antes se dizia, que o talento transformava em notáveis criações. Falamos de ontem, mas não tem porque ser assim tão diferente no tempo presente... E não é, não nas suas determinações, na sacrossanta harmonia do trabalho artístico. Basta esperar pelo momento certo: saber reconhecer e não desaproveitar (aqui, refiro-me à responsabilidade do espectador).

Já vi um pouco de muita coisa, mas nunca conheci quem resistisse à perda em continuum de Terry Malloy / Marlon Brando em On The Waterfront – boa parte, diga-se, antes do filme ter começado – até ao ganho final, o que importa. E, neste caso, resistência é a palavra certa no lugar certo. O herói que arrisca despojar-se do potencial (e que potencial) de força bruta para abraçar no seu âmago a vulnerabilidade que lhe ensinaram a rejeitar. O verdadeiro herói – o anti. Todos recordam a célebre sequência em que o irmão (o desmedido Rod Steiger) o confronta dentro do taxi, mas nunca foi a minha favorita – prefiro a cena da deambulação pelo bairro de Terry e Edie (Eva Marie Saint é o nome que falta), a luva que cai e Terry apanha, depois senta-se no baloiço, e a seguir voltam a caminhar; sem frases para a memória, mas por onde passa toda uma infância difícil, uma vida que a certa altura se poderia ter composto, mas não passou do que passou. Tão jovens, ainda tão jovens, e já os sonhos se perderam.

Manchester By The Sea é um regresso a esse sistema – que, lá está, o pessimista empedernido, o lógico, o realista duas vezes de Camus (era assim, não era?), tem a obrigação de declarar perdido, enquanto aguarda vigilante. Manchester junto ao mar, que afinal é algures no Massachusetts. Filme sem a dinâmica das correntes sociais reagentes de On the Waterfront, pelo menos não tão expostas, sendo estas, as de MBTS, por assim dizer, mais (ainda mais) centradas na intimidade familiar. Filme que adopta a tragédia, é o motor; em certo sentido mais terra a terra, e que, no entanto, sabe como fazer-se integrar plenamente no sistema (já que foi assim que lhe chamámos). Filme que vive porque lá estão Casey Affleck, Michelle Williams, Kyle Chandler e o muito jovem Lucas Hedges, como tem de ser. Ah, e a cereja no topo: resiste a todos os vícios de filme cool, mas não teme quadros fortes. O reencontro de Lee/Affleck com Randi/Williams é seguramente uma das sequências mais doridas e dolorosas da história do cinema. Campo/contracampo que ousa mostrar os dois no ecrã em praticamente todos os planos. As costas, os braços que seguram, as mãos nos bolsos e as pernas que titubeiam dizem tanto como os olhares; ou as bocas que tentam emitir sons lógicos e nem sempre conseguem – manisfestação potencial do indizível.

O…realista duas vezes pode por fim, ainda que brevemente, sentir-se vingado.     

 

Imagem de nit.pt

 

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