11 Fevereiro 2023      16:04

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Desígnio

A Professora preparava-se nervosa, como se fosse a primeira vez que o fazia, para dar a sua última aula. Tinha passado uma vida inteira e no dia em terminava a sua carreira, parecia estar mais insegura que nunca. Por vezes, nos momentos de glória, o nosso nervosismo ataca-nos e submete a nossa autoconfiança à prova.

No dia da sua jubilação, a última aula, a única coisa que lhe ocorria era que aquela aula seria a que toda a gente recordaria. Não seriam os 40 anos que passou a falar da mais coisa, a construir gerações e gerações de futuros profissionais, de futuros homens e mulheres que moldariam uma geração. Essa era a sua última aula e o seu desígnio.

Será que todos os seres humanos, desde o momento que nascem, passam pela Terra com um desígnio? Ao nascer, nenhum de nós faz ideia do que veio fazer a este planeta coberto de águas azuis, muitas delas salgadas, de florestas verdes, que já foram mais, e de cidades construídas em cima de lugares que se transformam ao longo dos anos.

O desígnio da Professora é o desígnio de todos nós. Viver desde o dia 1 nas circunstâncias que nos são entregues no nascimento é aquilo que nos espera. Talvez já tudo esteja destinado a acontecer da forma como se processa. Alguns de nós vivem até aos 100 anos, outros não chegam aos 20, muitos morrem antes de completar uma dezena… esse é o desígnio de cada um e cada qual… será sempre assim?

O desígnio daquela professora com que começamos esta reflexão foi o de ensinar, repetir ano após ano os conhecimentos que lhe foram transmitidos. Cumulativamente, nesses anos foi sempre adquirindo e atualizando conhecimento. Tornou-se mais forte a cada dia. Se assim não o fizesse estagnava. A Professora não parou nos primeiros conhecimentos. O seu desígnio era ensinar, mas para se ensinar é preciso aprender e acima de tudo ser tolerante.

Acreditar-se detentor do conhecimento e de poder absoluto e maltratar o próximo não é desígnio, é pura fantasia de quem, por ter algum poder momentâneo, pelas circunstâncias de uma sociedade, auto-designa-se e assim constrói um puzzle jenga.

Cai, rapidamente cai, e não cumpre o desígnio. Toleram, até ao dia em que ninguém tolera e a Professora dá a última aula. A essa, que sempre respeitou os alunos e por eles foi respeitada, a última aula será um sucesso. E só essa interessa pois só essa será lembrada. As outras, bem, dessas não posso falar porque nem eu me recordo… sei só que foi muito mau.

Agora, da última aula de alguém que apaixonadamente se dedicou ao seu desígnio, nunca me esquecerei.