13 Julho 2019      09:13

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Dente por Dente

O nome da clínica era Dente por Dente e ficava duas ruas acima do lugar mais perto do fim da vila. Ele, um dos sócios, tinha-se tornado dentista muito novo, quando terminou o curso. Era um dentista dedicado que só trabalhava com a mais pura das certezas. Não usava a broca nos dentes dos clientes se resquício algum de infeção pudesse haver.

A sua sócia era bastante mais descontraída, porém especialista em coroas e implantes de titânio. A trabalhar para eles tinham ainda um higienista oral.

Não faltava nada no Dente por Dente! Até os preços eram imbatíveis.

Tudo corria bem! A vida era bonita. Além de partilharem a clínica, partilhavam também laços sanguíneos. Eram irmãos.

Nunca na vida tinham discutido, nem em criança se zangaram vez alguma, ainda que tantas vezes isso se proporcionasse. Eles não. Ouso até dizer que a sua paixão pela profissão surgiu um pequeninos.

Uma tia, irmã mais velha do pai, no natal de 1987 ofereceu um kit de dentista, igual, aos dois. Ou seja, ofereceu dois, um a cada um. A partir desse momento começaram a brincar aos dentistas. Praticaram tudo desde desvitalizações, coroas, implantes, massa, chumbo, pinos, arrancar e até limpeza. Nunca mais houve tártaro nem cáries naquela família.

Pelo menos assim pensavam até ao dia em que a mãe apareceu na clínica Dente por Dente com uma cárie enorme!

Por acaso sabiam que a condição clínica mais frequente no ser humano é a cárie dentária? Não sabiam pois não. Eu também não, mas um dia saiu-me essa pergunta no trivial pursuit.

A cárie da mãe deixou os dois em sobressalto. Não faria ela a higiene oral como deve ser? Não cuidava de si ou andava ela a comer coisas que não devia como chocolates, rebuçados... etc...

Após a remoção da inominável, sentaram-se os dois irmãos sócios, um de cada lado, com a mãe na cadeira ainda dormente da anestesia e começaram a lançar as perguntas inconvenientes.

Ora vamos lá saber mãe. Ora diga-nos lá porque arranjou uma cárie... o que andou a comer? Que pensa da sua vida deixando-se chegar a este ponto.

Ainda com a língua e metade da boca dormente e as lágrimas a caírem-lhe rosto abaixo, a pobre mulher confessou o que nunca tinha passado pela cabeça de nenhum deles.

As coisas com o pai não andavam nada bem. Havia discussões todos os dias. Não se entendiam já e, pior, descobrira que o marido tinha uma amante.

No mesmo dia, começou a comer doces. A cárie foi portanto o menor dos males. Estavam chocados com as revelações.

No dia seguinte chamaram o pai para um check up. Deram-lhe anestesia completa. Tiraram-lhe três molares, um dente da frente, desvitalizaram um canino e fizeram uma ponte entre os dentes do siso!

Quando o homem acordou nem quero acordar. Mas, se tivesse lido o título desta crónica talvez tivesse percebido onde se ia meter...