10 Maio 2021      06:14

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Debate político. Uma arte onde está na moda ser alarvemente medíocre

Depois de termos sido recentemente presenteados por Susana Garcia e pelas suas palavras cravejadas de um, já esperado, decoro pataqueiro e relambório, onde afirma sem constrangimento que “espera que o Bloco de Esquerda seja exterminado”, onde posteriormente refere, só após interpolação provocativa do entrevistador, que “também espera que o Chega vá pelo mesmo caminho”, é que o país tomou noção do escasso calibre do tal banho de ética apregoado por Rui Rio, a água desse banho aparenta já ter lavado uma família inteira, de tão encardida que está.

Assim está a fasquia do debate político nos dias que correm, onde este podia bem estar a acontecer numa mesa de canto de tasca, repleta de copos de cerveja e de cascas de tremoços, que ninguém notava diferença.

Esta ideia de baixar o nível ao debate para o aproximar das massas é dos conceitos mais perniciosos e contrários aos preceitos ético-políticos da democracia em si, pois, constitui um perigo para a mesma. Baixar o debate ao nível da constante descredibilização das instituições democráticas não as irá tornar mais eficientes, antes pelo contrário. Quanto mais descredibilizado for um sistema político, menos são os políticos decentes e íntegros com intenções de se sujeitarem ao constante clima de humilhação e rebaixamento criado pelo baixo nível do debate.

Ter um ambiente político onde Susana Garcia diz que o Bloco de Esquerda tem de ser exterminado, e no dia seguinte vem dizer que essa expressão requer contexto, Mamadu Bá diz que o homem branco tem de ser morto, e a seguir também atira com o subterfúgio do contexto, onde Ventura chama bêbado a um líder partidário e onde Mariana Mortágua canta ao megafone para que Bolsonaro vá para o pé de Salazar, faz-nos pensar ao estado lastimável a que chegámos.

Quando comparo o debate deplorável entre André Ventura e Marisa Matias nas presidenciais com o debate do famoso “olhe que não, olhe que não” entre Cunhal e Soares, entre duas forças políticas antagónicas, em tempos conturbadíssimos da nossa história, em plenas vésperas do 25 de Novembro, com o país quase à beira de uma guerra civil, só posso concluir que Cunhal e Soares eram dois políticos que sabiam que a elevação e o decoro eram ambos imprescindíveis, mesmo em tempos onde fazer política não eram favas contadas, ou melhor, especialmente em tempos onde fazer política não eram favas contadas. Pois, sabiam que eram um exemplo para os seus eleitores e simpatizantes, e que as suas acções e palavras tinham consequências.

É, aparentemente, esse o sentido de responsabilidade que se perdeu nos partidos radicais, se é que alguma vez houve, ninguém se deverá esquecer que o PSR de Francisco Louçã, partido que antecedeu o Bloco de Esquerda, defendia amnistias para terroristas da ETA, pelos quais nutriam uma perturbadora solidariedade. Perdendo-se esse sentido de responsabilidade, resta-lhes apenas o tribalismo trapaceiro.

Tribalismo esse, que começa invariavelmente a alastrar para o coração dos partidos moderados quando vemos Susana Garcia a ser apoiada pelo PSD de Rui Rio para a Câmara Municipal da Amadora, ao menos Passos Coelhos soube ter vergonha com André Ventura para a Câmara de Loures, tarde, mas teve. Ainda há dias Rui Rio vai ao Twitter chamar bandalho a sabe-se lá quem, que por mais bandalho que possa ser, isto não é postura de líder da oposição num país sofisticado. Até no PS, com João Galamba a ir ao Twitter chamar “mentiroso do pior” e “aldrabão encartado” a alguém que disse uma coisa com que este não concordou, ou o ministro Pedro Nuno Santos e a sua forma de estar na política do “se não for assim, vou ali e parto aquilo tudo”. Tudo isto são vários exemplos de metástases deste tumor maligno que é a perda da virtude e do sentido de decência por parte das pessoas em quem nos revemos intelectualmente e que tendemos a seguir como modelo.

O princípio base do debate político deverá sempre partir do pressuposto de que todos dispomos do mesmo grau de dignidade para o praticar, e de que o meu adversário político não é meu inimigo, é simplesmente meu adversário, um oponente que nutre ideias antagónicas às minhas, que terão de ser colocadas em confronto no jogo do debate e da negociação parlamentar, de onde resultará, no final, conteúdo político nascido dessa mesma colisão ideológica. É esse o princípio parlamentarista, a negociação de ideias, e não a imposição das mesmas, ou a aniquilação de um opositor, que é, e sempre será, o contrabalanço de qualquer sistema político democrático.

Arrastar na lama o debate político feito em farrapos é, não apenas, uma traição à política, é uma lança que voa fulminante em direcção às costas desguarnecidas da democracia.