13 Outubro 2020      10:44

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Culturas de regadio no Alentejo ameaçam mais de 30 espécies de plantas

A Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, um levantamento que nos últimos quatro anos avaliou o risco de espécies ameaçadas, divulgou que pelo menos 30 espécies de plantas endémicas localizadas no Alentejo estão ameaçadas de extinção, avança a TSF.

Adicionalmente, das cerca de 110 espécies de plantas endémicas de Portugal continental, que são exclusivas do nosso país e que não existem em mais nenhuma parte do mundo, quase metade, 53 espécies, encontram-se em vias de extinção.

Os resultados deste levantamento elaborado pela Lista Vermelha são agora apresentados pela Sociedade Portuguesa de Botânica e pela Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação, em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

A investigação, cujo trabalho no campo decorreu entre 2016 e 2018, debruçou-se sobre um total de 630 espécies sobre as quais havia mais dúvidas e receios quanto ao seu estado de conservação. Concluiu-se que 381 espécies (60%) estão ameaçadas de extinção. Há ainda 19 espécies que foram mesmo extintas de Portugal continental nas últimas décadas.

Uma das plantas mais ameaçadas de extinção é a Linaria dos olivais, uma espécie endémica do Baixo Alentejo cujo habitat são as searas e os olivais tradicionais. André Carapeto, coordenador técnico da Lista Vermelha, explica que esta planta ficou sob uma “enorme pressão” devido ao aparecimento de culturas intensivas como o olival de regadio, acrescentando que este “é um caso paradigmático” porque “existe um sítio da Rede Natura designado para proteger esta espécie, mas que não a está a proteger”.

O biólogo adianta também que outras 30 espécies estão a ser prejudicadas pelo desenvolvimento das culturas de regadio no Alentejo.

Outra situação semelhante acontece “no sítio Rede Natura Comporta-Galé, que tem um conjunto muito alargado de espécies com estatuto de proteção, mas onde nos últimos anos se tem assistido à instalação de regadios que estão a destruir hectares e hectares do habitat dessas espécies que são protegidas por lei”. De acordo com o investigador, “a proteção numa área protegida não está a ser suficiente para assegurar a conservação da diversidade da flora nacional”.

André Carapeto diz estar preocupado com o impacto de “estufas e regadios” que se têm instalado na costa vicentina. “As espécies das lagoas que eram uma das riquezas da flora dessa região, estão a desaparecer”, afirma o biólogo, adiantando que “existe um padrão de declínio muito semelhante em várias espécies de plantas aquáticas” ao longo de todo o território continental.

O Livro Vermelho refere ainda que apenas 17% das espécies ameaçadas são legalmente protegidas, e apenas 9% foram alvo de algum tipo de conservação do habitat onde se inserem. Cerca de 28% foram alvo de conservação fora dos seus locais de ocorrência, principalmente através da recolha de sementes e conservação em bancos de germoplasma. “Isto não é suficiente. Tem de haver mais medidas de conservação dos habitats. A conservação a longo prazo só é possível se o habitat para a espécie existir”, alerta o coordenador do projeto.

Apesar de as equipas que andaram no terreno terem identificado as espécies ameaçadas e as que já desapareceram, foram encontradas 8 espécies de plantas que não eram conhecidas em Portugal. “É uma novidade agridoce porque destas 8 espécies, 7 estão ameaçadas”, refere André Carapeto. Houve também reencontros com espécies que se supunham já estarem desaparecidas, “algumas não eram vistas desde a década de 40”. Este trabalho foi conseguido “devido à persistência e saída para o campo em várias períodos do ano” por parte dos investigadores e dos cerca de 100 voluntários do projeto.

Elaborada a lista vermelha, não se sabe, contudo, se haverá financiamento para continuar o projeto. O coordenador pede ação política e cívica: “isto é o diagnóstico e temos as sugestões, agora a tarefa é de todos e cabe à sociedade pressionar para que quem tem responsabilidades faça realmente conservação da natureza porque, como está, não está a ser suficiente”.

 

Fotografia de listavermelha-flora.pt