3 Julho 2021      12:45

Está aqui

A culpa

Haverá muitos de vós que a sentem, por coisas cuja solução não podem dar e haverá tantas outras coisas cuja resolução vos ultrapassar mas continuam a sentir esse peso de quilos e toneladas na cabeça. Parece pesada… aquilo que fiz foi errado. Não era o caminho certo, não era o que eu tinha feito, mas não sei por que razão continuo a sentir culpa. A culpa é tão intrínseca ao ser humano como o solstício ao verão, as nuvens na chuva, os relâmpagos na trovoada… nada existiria um sem o outro. A culpa não morre sozinha, já se dizia quando nasci e quando cresci. Já na minha altura de criança a culpa grassava entre nós todos, adultos e crianças. Havia alguma coisa da qual sempre alguém era o culpado.

Lembro-me bem de roubar as frutas ao vizinho, não fui acusado, mas a culpa era minha… minha e dos outros. Lembro-me das histórias dos meus pais de roubar ovos. A culpa tê-los roubado ficaria sempre connosco, e essa alimenta-se dos nossos pensamentos.

Na igreja, costumo fazer o mea culpa. Lá percebo a carga que me imprime aquilo que considero ser a dor… a culpa é o mecanismo que criamos para nos alertar das nossas ações. O grande problema da culpa é que ela só surge depois das nossas ações se terem consumado.

Há muito tempo, conheci a culpa numa festa. Podeis não acreditar… mas é a verdade. Eu e a culpa falamos durante algum tempo. As palavras que trocamos não tinham o peso daquelas que sentia. A palavra em si encerra um peso que só se entende depois de consumir a essência de quem a pensa, mais do que quem a profere.

A culpa estava sozinha, tal como eu. Nenhum de nós os dois conhecia o outro. Só nos tínhamos ouvido. A culpa tinha ouvido a minha voz várias vezes e eu conhecia o seu nome. Não faríamos um bom casal. Nem a culpa quer companhia e eu não quero viver sob a culpais

Porém a culpa é mais do que a nossa imaginação e encontra formas de sobreviver além dos dias e das noites. Ela sobrevive melhor durante a noite porque o escuro dá-lhe a luz que nos rouba a nós. A culpa não é o bicho papão que se esconde nos armários e debaixo das camas.

Talvez viva dentro de nós e se anuncie quando se sente sozinha. O problema será a nossa confrontação com ela, acalmar-lhe a solidão. A culpa somos nós. Temos, no nosso peito a na nossa linfa, o alimento da culpa que, durante séculos negamos.

A culpa não se veste de escuro nem sussurra. A culpa não é exuberante nem grita. Não a vê a olho nu, mas sabe que ela está lá. E ao lado de um turbilhão de tantos outros silêncios, a culpa só se manifesta quando a porta mais pequena se abre. E aí, a culpa é maior do que a porta e inunda a sala onde se instala.

Havemos de conviver muitas vezes porque somos humanos