5 Janeiro 2018      11:30

Está aqui

CTT - UM CASO DE PRIVATARIA

Foi o argumento mais usado para justificar a privatização de muitas empresas públicas: o Estado gere mal, os privados é que sabem.

Foi com este discurso de que o privado é que é bom que na última década vimos passar para a mão de privados sectores e empresas públicas importantes, que para além de constituírem pilares estratégicos da economia portuguesa e prestarem serviços essenciais eram empresas lucrativas para o Estado.

De braço dado com “menos Estado, melhor Estado” esta privatização de sectores importantes e estratégicos sempre teve em comum duas realidades: a perda de qualidade do serviço público incluindo, por vezes, o seu próprio desmantelamento, e a transferência de riqueza pública para privados.

Os CTT são mais um destes casos.

Em 2009 os CTT foram premiados pelo InternationalPost Corporation com o Certificado de Excelência e Portugal tornou-se um dos primeiros países do mundo a receber esta classificação.

Nesse ano os CTT foram considerados um dos oito melhores serviços de correio internacional: mais de 96% das correspondências transeuropeias demoravam 3 dias ou menos desde a origem ao destinatário em Portugal.

Hoje, apesar de sermos capital de distrito, não há sequer distribuição diária de correio normal em Évora e de certeza que não receberemos em casa uma carta mandada de cá há menos de 3 ou 4 dias úteis, a menos que paguemos uma taxa de correio azul. E casos há de quem espere 15 dias por uma carta normal.

As estações de correio da cidade encerram mais cedo e da situação nas aldeias por esse país fora nem é bom falar, com juntas de freguesia a assumir encargos para que as populações possam ter um mínimo de serviço postal.

Esta é a realidade que temos depois da privatização, em 2013, da empresa CTT e da concessão até 2020 do serviço público de correio universal:  um bom serviço público que perdeu qualidade quando entregue à gestão de privados e a destruição de uma boa empresa que era de todos nós.

Esta é realidade de incumprimento do contrato de concessão confirmado pela ANACOM na entrega de correio normal num prazo, já de si longo, de 15 dias úteis.

Incumprimentos sistemáticos que levaram o Governo a aplicar multas aos CTT por incumprimento do contrato de concessão de serviço postal universal, designadamente por incumprimento da densidade de postos de atendimento e de marcos de correio estabelecidos no contrato de concessão.

Apesar das várias multas e da falta de quase 200 funcionários no atendimento e na distribuição, denunciada pelos sindicatos, em finais de 2016 os CTT forçaram a rescisão e contratos com 75 trabalhadores e em 2017 uma empresa adquirida pelos CTT – a Transporta – efectuou o despedimento colectivo de 40 trabalhadores.

A empresa falava em rescindir 400 postos de trabalho. Agora fala-se em 800 trabalhadores que se prevê venham a perder os seus postos de trabalho e neste inicio do ano fomos assaltados pelo encerramento, de uma assentada, de 22 estações dos Correios.

Depois do que temos assistido no caso da PT/MEO/ALTICE, são agora os CTT mais um desses casos paradigmáticos de destruição de um bom serviço público, de uma empresa importante e lucrativa para enriquecimento de alguns, numa sucessão de operações pouco claras e escandalosamente efectuadas pelo Governo do PSD/CDS.

É bom que não nos esqueçamos que para além dos bónus da venda de 1/3 das acções a um valor questionável, o Governo CDS/PSD concedeu ainda aos CTT uma licença bancária e o exclusivo da venda de certificados de aforro: este sim o perspectivado fillet mignon do negócio, que aumentou, de seguida e sem qualquer investimento, o valor da empresa.

Mas apesar disso ultimamente a cotação em bolsa dos CTT tem vindo a decrescer, o que não impede, numa clara acção de descapitalização da empresa, de em 2016 serem distribuídos aos accionistas 74, 4 milhões de euros em dividendos, quando a empresa obteve um lucro inferior, de 62,2 milhões de euros.

Ora, quando é comprovadamente reiterado o incumprimento do contrato de concessão da prestação do Serviço Universal Postal em Portugal, quando a seguir o curso actual da gestão se prefigura a destruição dos CTT, pode o país dar-se ao luxo de ficar a ver, sem nada fazer, o colapso de um sector crucial para todos nós e para a economia?

É, por isso, importante, é urgente a intervenção do Estado neste caso, antes que seja tarde demais e demasiado cara a reposição do serviço público de correios.  

É importante, é urgente reassumir o controlo da gestão pública dos CTT e resgatar a concessão de Serviço Universal Postal.

(Escrito com a grafia anterior ao AO90)

Imagem de capa de Alberto Frias para a Visão.