4 Junho 2023      09:14

Está aqui

 Corrupção!

Chegou de forma muito discreta e despercebida a toda a gente. Ninguém se apercebeu da sua presença inicial e tímida. As pessoas passavam por ele sem interagir. Enquanto isso durava, ficou a observar os comportamentos de todos os que passavam. Reparou naquilo que diziam uns aos outros, a forma como se sentavam, a maneira como olhavam para o relógio. Olhava a forma como se vestiam e como ajeitavam as roupas ou olhavam para as roupas dos outros. Observava como olhavam uns para os outros quando falavam entre si.

Ninguém tinha notado a sua presença. Discretamente foi começando a escolher de maneira metódica as suas interações. A princípio sussurrava ao ouvido das pessoas que tinha como seu alvo. Não se sabe bem o que dizia ao início, mas as pessoas faziam coisas de seguida que nos poderá dar uma pista sobre aquilo que era dito. Certo é que os gestos dela levavam a acontecimentos posteriores. As pessoas, gesto após gesto e acto após acto começavam a ficar mais pequenas. Iam diminuindo gradualmente sem que se apercebessem disso. Ostentavam relógios ainda melhores e roupas de estilos caros e excêntricos, tinham agora carros de marca exclusiva, mas ficavam mais pequenos. Enquanto isso, ela crescia, absorvendo para si o tamanho das pessoas, bocadinho a bocadinho. Ela sabia mas as pessoas continuavam a praticar os mesmos comportamentos. Ela deliciava-se com aquilo que construía. E estava maior. Cada vez maior.

Um dia, muito tempo depois, na repetição de todos os dias, estava tão grande que já não se conseguia esconder nem passar despercebida. Aí as pessoas, tão pequeninas, viram-na realmente por aquilo que era. Porém, era já muito tarde. Nada podiam fazer, não havia retorno. Tinham vendido a vontade e perdido a capacidade de dizer não.

A única coisa que lhes restava era minguar continuando a alimentá-la. E assim foi até que pararam de respirar.

Coisa do destino ou talvez não, bem cedo na manhã em que todos pensavam que o oxigénio já não habitava naqueles seres pequenos, quando inexistentes, sugados pelo ser que chega de mansinho e tudo destrói… chegou uma luz. Também ela silenciosa, mas era uma luz tão forte e tão preparada que, embora desconhecida e quase imperceptível aos que estavam sob o jugo do ser execrável que até aí existira sobre todos, poderia trazer algum alento, e quem sabe a energia e o tamanho de volta.

A figura que chegara em forma de luz tinha a forma do continente europeu. Era, de facto, uma imagem muito estranha. Era como se a própria Europa estivesse a ensinar como combater a ganância, a ilusão, a dissimulação, as falsas palavras, o populismo que aquela figura anterior trouxera consigo e consumira toda uma realidade.

Lentamente, a luz, em forma de Europa, começava a reerguer as energias de cada um dos prostrados. Nem todos se ergueram, para esses era tarde demais. Nada poderia restaurar aquilo que voluntariamente tinham abdicado, a sua espinha dorsal, a sua integridade, um mundo onde a sombra não suga a alma.

De todos os que pareciam ter perecido, 80% voltariam ao seu estado inicial, para desespero dela.

Incrédula com a força de uma luz que se espalhava tão depressa e de forma ainda mais forte que a sua, refugiou-se nos recantos mais escondidos da luz… junto com os que atrás de si rastejavam, esperando ansiosamente regressar e voltar a consumir as almas dos que viviam na luz da Europa. Voltaria? Isso só aqueles que podem escolher entre um ou outro cabe decidir.

Acredito que não…