11 Fevereiro 2020      09:31

Está aqui

Com 4800 euros, para onde ias?

Surgiu uma proposta por parte do Governo para que se “oferecesse” até 4800€ a quem quisesse habitar e trabalhar no interior do país. Ora, perdoem-me se estou errada, mas não será isto mostrar ainda mais a desvalorização que se faz sentir diariamente no interior do país por quem aqui habita?

Não será isto demonstrar que as desigualdades são reais e que o próprio Governo, ciente disso, as acentua ainda mais? Questiono-me se o valor de 4800€ será suficiente para tornar esta área do país atrativa? Será que é este valor que vai trazer vida a esta zona? Será?

Vivemos numa era de egos e aparências, onde é mais fácil prometer dinheiro a quem decidir habitar um determinado local, do que resolver os seus respetivos problemas. Fará sentido tentar mobilizar população para o interior do país quando se sabe que, claramente, o Governo não conhece a realidade de quem é aqui residente?

Desculpem-me a audácia, não trocaria o Alentejo por nada, falo por experiência de estudante deslocada que já viveu as duas realidades e sabe que numa está tudo à distância de passos, enquanto que, na outra, está tudo à distância de quilómetros, alguns sem autoestrada para percorrer. Bem sei que no mundo onde cresci é tudo mais humilde, tudo mais simples, tudo com menos recursos e serviços públicos, contudo isso fez-me dar valor àquilo que alcancei e ao estilo de vida tranquilo e calmo que pude ter durante muitos anos.

Hoje, consigo ver através de uma perspetiva diferente, consigo entender que ninguém dá nada pelo Interior do país, ninguém dá nada pelo Alentejo, ninguém investe, ninguém se preocupa, ninguém se importa, ainda têm o desplante de tentar brindar com 4800€ quem para cá se queira mudar.

Vivemos num Interior do país com difícil acesso ao centro, vivemos a ver uma viagem Beja-Lisboa a demorar quatro a cinco horas porque não se terminou a autoestrada, porque não se renovou a via ferroviária. Temos um aeroporto-fantasma em Beja, no qual o Estado investiu 33 milhões de euros e, recentemente, decidiu que seria mais sábio investir num aeroporto no Montijo que irá colocar em causa um habitat único de mais de 200 mil aves e trará gastos de cerca de mil milhões de euros.

Não seria mais fácil apostar na boa ligação do Alentejo à capital? Não seria menos dispendioso? O Turismo no Alentejo cresce a olhos vistos, contudo, as condições de acesso a esta zona do país são restritas, a rede de serviços é escassa e este canto é esquecido. Passamos por isto todos os dias, ninguém nos dá nada em troca para o fazermos, era de esperar que o mínimo fosse que nos respeitassem e levassem a sério, ao invés de prometerem “mundos e fundos” a quem queira vir trabalhar e dinamizar o Interior. O problema não está em nós, está nos restantes. O problema não está no Interior, está no resto do país e nas mentes “fechadas” que não nos deixam retirar todas as potencialidades destas localidades “esquecidas”. O interior tem muito para dar, falta quem nele queira apostar verdadeiramente.

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Leonor de Matos Pereira, nascida em Évora, 20 anos, estudante do 3º da Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 

Atual membro do Conselho Fiscal da Associação Académica da Faculdade de Direito