13 Dezembro 2019      08:43

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Colaboração premiada só peca por tardia

Confesso que já tinha saudades de concordar com o PS em alguma coisa, depois destes quatro anos a desviar o país das melhores práticas europeias em matéria de economia, fiscalidade e sobretudo administração pública.

As medidas de combate à corrupção agora propostas pelo governo, como a colaboração premiada e o fim dos megaprocessos que se arrastam até que corrompidos e corruptores morram de velhos, só pecam por tardias. Ainda assim, não centro a minha análise nessa delonga. Prefiro acreditar que mais vale tarde que nunca. Até porque num país atravessado transversalmente pela corrupção, não será difícil imaginar os bloqueios e entraves encontrados, dentro e fora dos partidos, para fazer passar as medidas que efetivamente podem fazer diferença.

Apesar da boa-vontade política aparente do governo, o Ministério da Justiça ressalva que Portugal dispõe de um bom enquadramento legal. Isto quando sabemos que apesar das 2.578 denúncias de corrupção recebidas pelo Ministério Público no ano judicial de 2017-18, só 73 pessoas foram condenadas. E a verdade é que o programa de governo não propunha nada de consistente para mudar este cenário. Eram essencialmente um conjunto de medidas administrativas, mais ou menos vazias, de quem quer dizer que fez, não fazendo. Foi por isso uma agradável surpresa esta intenção de criar um grupo de trabalho constituído pelos diferentes intervenientes em matéria de justiça, bem como o objetivo de ter conclusões já em abril.

A avaliar pela discórdia da reação, o objetivo não será fácil de concretizar. O sindicato dos juízes não acredita que os megaprocessos possam ser repartidos e agilizados, limitando-se a pedir mais meios, leia-se, financiamento. A velha solução de despejar dinheiro por cima dos problemas. Defende ainda que não é possível negociar penas com arrependidos antes do julgamento. Já o sindicato dos magistrados do Ministério Público diz que esta medida já é aplicada nos casos de tráfico de droga e que não resultou daí nenhum problema. Mas também pede mais financiamento e contratações. A Ordem dos Advogados diz que a colaboração premiada é uma forma de desinvestir na investigação criminal. Não se percebe o que é que premiar a denúncia, a confissão e a negociação de penas tenha a ver com desinvestimento na investigação. O que se percebe é que há muito quem fique assustado com as consequências que a simplificação, a eficácia e o pragmatismo judicial possam ter para a sua própria carteira.

Quanto ao ceticismo que algumas medidas genuinamente geram, e sobretudo quanto aos fantasmas que o termo “delator” ainda acorda, importa analisar a importância dos resultados obtidos pelos países que já aplicam os mecanismos agora propostos. Pela sua importância e simbolismo, destacam-se os Estados Unidos no combate ao tráfico de droga, a Itália na perseguição das organizações criminosas, e o Brasil na condenação dos crimes de corrupção.

Fiquemos atentos para não permitir que as boas intenções não passem disso mesmo.