25 Novembro 2017      12:19

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COISAS

Hoje é dia de escrever sobre coisas. Não é porque não me apeteça escrever uma longa crónica sobre coisas longuíssimas, como serpentes ou fitas métricas, mas porque me apetece escrever estas coisas. Sendo alentejano, gosto de falar de coisas dizendo tudo sem dizer nada. A minha avó, quando falava de alguma coisa, falava de o coiso ou a coisa. Referia-se a tudo, sem especificar exatamente o que quer referir. Mas hoje é dia de coisas. Ora vamos lá.

Em cima de um pessegueiro estava um carro, impressionante não é? Imaginem lá um Jeep em cima de um pessegueiro? Parece impressionante. Se acontecesse, seria talvez, vamos, lá, porque o Jeep tinha saído de uma estrada de onde não devia ter saído e caiu em cima do pessegueiro. O pessegueiro não tinha pêssegos, sossegue o senhor leitor se está preocupado. Mas porque um pessegueiro? Bem, podia ser uma pereira, mas estavam todas ocupadas a fazer sumos. E uma macieira… Há tantas árvores de fruto e ainda bem que não é fácil fazer escolhas. Saiba, como certamente sabe que não é fácil fazer escolhas. Quando tomamos uma decisão, deixamos de tomar todas as outras e isso muda a nossa vida.

O que muda a nossa vida também são os pastéis de nata e os pastéis de bacalhau. Quando não temos nada para falar com estrangeiros começamos a falar, ah e tal, pastel de nata. E eles ficam logo com vontade de provar um bom pastel, vendido em qualquer pastelaria em Portugal, ou mesmo, naqueles famosos…está a ver? Eu não. E os de bacalhau? Esses são bons também. São salgados e já agora, recorda-me do famoso sketch de um humorista que dizia que era mais salgados. Lembra-se? Eu lembro-me, mas já estou a caminhar para os quarenta. E isto não é fácil. Bem, isto aconteceu um dia em que estava sentado com um amigo a pensar na vida e a falar sobre pastéis de bacalhau e pastéis de nata. Isto não parece nada emocionante mas foi. Mesmo muito quando um Jeep entrou pela montra de vidro em alta velocidade. Eu estava de frente para a montra e só tive tempo de gritar Foge! ao meu amigo e correr para outro lado. Corremos nós e todos os que estavam sentados. Há imprevistos que nos fazem sentir vulneráveis. Nesse café senti que a qualquer momento poderia deixar de existir e de pensar e falar em coisas e no coiso e na coisa como a minha avó falava. Nós, seres humanos, não gostamos de pensar nas coisas que não nos fazem sentir seguros. Não queremos nunca pensar que podemos deixar de existir fisicamente Podemos e deixamos. Mais cedo ou mais tarde.

Não falemos de coisas tristes, de morte ou de carros que entram por montras. Falemos de choquinhos fritos com tinta, que a minha prima não gosta. Falemos do mau feitio dela, e da bondade e da candura quando quer. São palavras e as palavras refletem as coisas como talvez tenhamos deixado o senhor leitor a pensar no início, sobre o conteúdo de um texto. Parece nada e é tudo. Parece tudo e é nada. Mas as cosias boas da vida misturam-se com a emoção de andas de prancha de surf na mão, para os surfistas, as máquinas fotográficas para os fotógrafos profissionais, as canas de pesca para os pescadores. E tudo para as pessoas que se apaixonam.

Coisas. Tudo e nada. E um sorriso, com os pastéis de nata e os pastéis de bacalhau. E as falas dos homens que se deslocam de um lado para o outro num Jeep ou noutro carro qualquer. São coisas que nos fazem pensar, como aquele dia em que estávamos a pensar no pastel e o carro que chegou sem ser avisado, a ideia de aquela palavra possa ter sido a última. A ideia de um rio que deixa de ter água. E coisas. Tanta coisa e tanta palavra. Num pastel de nata e num pastel de bacalhau, a nossa cultura. A nossa essência de ser português. As conversas que tinha com a minha avó e as que tenho com os meus amigos, em que me transmito e em que nos transmitimos. Somos coisas, falamos de coisas e um dia, a comer um pastel de nata, lembrar-nos-emos de um rio que secou, de uma pastelaria onde poderia entrar um jeep e sorriremos porque o rio não secou e porque o Jeep não entrou pela montra onde estávamos. E sorrimos porque vivemos. E são coisas bonitas! 

 

 

Imagem de visitlisboa.com