29 Junho 2016      16:27

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AS COINCIDÊNCIAS QUE LEVARAM À 1ª GUERRA MUNDIAL

Pode parecer incrível, mas a 1ª Guerra Mundial também foi causada por meras casualidades que permitiram o assassinato do arquiduque Francisco Fernando, em Sarajevo, que fez ontem 102 anos.

Que dois tiros de Gavrilo Princip, numa esquina de Sarajevo, sobre o arquiduque Francisco Fernando, resultassem na Primeira Guerra Mundial, já parece, por si só, excessivo, mas ainda lhe parecerá mais quando terminarmos de lhe revelar todas as coincidências e causalidades que levaram a este assassinato.

De acordo com Tim Butcher, escritor de viagens britânico, citado Guillermo Altares em artigo do “El País”, que editou recentemente o ensaio “Princip, The trigger. Hunting the assassin who brought the world to war” (Princip, o gatilho – a caça ao assassino que trouxe a Guerra mundial), Princip era um zé-ninguém. Ainda assim, e de acordo com a maioria dos historiadores, por ter assassinado o Arquiduque Francisco Fernando, foi ele o grande responsável pela Primeira Grande Guerra e das catástrofes que se lhe seguiram no séc. XX.

Princip (imagem 2), sérvio da Bósnia, tinha 19 anos e era um atirador sem experiência, matou a esposa e o herdeiro do Império Austro-húngaro, do qual a Bósnia fazia parte, depois de os ter encontrado por acaso, numa esquina de Sarajevo. Exato, leu bem, nem o atirador, nem a família real era suposto estarem àquela hora, naquele local em frente à pastelaria “Moritz Schiller” (agora museu). Assim se deram dois tiros que mudaram a face do mundo.

O escritor bósnio Velibor Colic, residente na França, também citado no mesmo artigo do “El País”, disse que “ o atentado de Sarajevo foi acontecimento de consequências mundiais, uma espécie de ponto zero. (…) Foi um “complot” muito bem organizado mas também muito caótico, e o acaso teve o papel principal. (…) Foi uma “vaudeville”, uma tragicomédia, cujas consequências, infelizmente, todos conhecemos.” E em complemento, Butcher assegura que o improvável protagonista do assassinato não deixou descendência por ter morrido muito jovem. A sua ascendência era extremamente pobre, seriam servos. Seis dos seus irmãos morreram e cem anos depois, segundo Butcher, os seus familiares ainda continuam a falar de pobreza.

Diz a lenda que o assassino estava a comer uma sandes, mas, como tantas outras informações, não está confirmado, pois, com a guerra perderam-se inúmeros documentos e registos históricos. O que se sabe com certeza é que formava parte de um “complot” para matar o arquiduque, e que esse “complot” já havia falhado um atentado à bomba naquele mesmo dia e que três, dos sete jovens terroristas, se recusaram a utilizar as bombas e as pistolas que levavam. Por acaso, depois do referido, Princip e a comitiva real cruzaram-se e o assassinato foi cometido.

Contra a lógica e o bom senso, apesar de ter sofrido um atentado falhado quando a bomba atirada não acertou no carro onde seguia, Francisco Fernando decidiu continuar a visita a Sarajevo com normalidade. O atentado não fora casual e a sua interpretação era fácil: decorria a 28 de junho, celebrava-se o dia de S. Vito, o dia da nacionalidade na Sérvia, celebração levada a efeito após terem perdido a independência para os turcos, em 1389.

A também escritora de viagens Rebecca West, autora de um grande livro sobre os balcãs, ”Black Lamb and Grey Falcon” (Cordeiro negro e falcão cinzento), nos anos 30 afirmou que, e após entrevistar algumas testemunhas do assassinato, ninguém teria tido tanto culpa nos acontecimentos como o próprio arquiduque.

Após a receção na Câmara Municipal, o governador da Bósnia, Oskar Potiorek, convenceu o arquiduque a encurtar e alterar o itinerário, evitando o centro de Sarajevo, mas esqueceram-se de avisar o motorista. Ao aperceberem-se, já a meio caminho, tiveram que empurrar o carro à mão, pois não tinha marcha atrás. Essa paragem aconteceu em frente à pastelaria Moritz Schiller, mas podia ter acontecido em qualquer outro ponto do itinerário. Era precisamente ali que estava Princip que, enquanto comia uma sandes, viu surgir uma oportunidade clara para concretizar a missão que lhe dera uma organização nacionalista e misteriosa de Belgrado, a “Mão-Negra”, estando ainda por aferir o grau de participação do governo sérvio nesta organização. A princesa morreu de imediato e o arquiduque meia hora depois, às 11 da manhã de há cem anos. Trinta e sete dias depois começava a 1ª Guerra Mundial.

O historiador Christopher Clark, autor de “The Sleepwalkers” (Sonâmbulos), um dos mais influentes e conceituados ensaios publicados neste ano de centenário, insiste nas aparências casuais do assassinato e, face à transformação mundial que dali surgiu (o desaparecimento de quatro impérios, a revolução russa, a reorganização das fronteiras mundiais e o nascimento do fascismo e do nazismo, a 2ª Guerra Mundial, o Holocausto etc.) levanta a questão: e se Gavrilo Princip tivesse falhado? O que se sabe é que Francisco Fernando, sendo pacifista e contra as guerras, a poderia ter evitado.

Contudo, o já citado Butcher, que passou anos a viajar pela Bósnia e investigar a figura de Princip em busca de informações, tem uma visão um pouco diferente. Na sua opinião, apesar de reconhecer e apoiar a casualidade do assassinato, acha que mesmo que Francisco Fernando não tivesse sido assassinado, a guerra teria tido lugar de igual modo. Butcher coloca o jovem bósnio Princip como o representante principal da mudança no séc. XX: a era dos jovens, a era dos que não tinham voz, e que ali a começaram a ganhar, incutidos pelo espírito do forte nacionalismo crescente que marcava a época (Irlanda, Palestina e futura Jugoslávia são alguns exemplos). Enquadrando os acontecimentos de 28 de junho de 1914 como um ato nacionalista revolucionário dos povos eslavos; enquadrando-o com as revoluções europeias de 1848, a Comuna de Paris em 1870, a revolta dos jovens turcos em 1908, entre outros, o assassinato pode ter sido casual, mas a guerra seria já inevitável naquele dia.

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