28 Junho 2021      10:24

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Cercal do Alentejo preocupado com impacto de centrais fotovoltaicas

As comunidades rurais das freguesias de S. Domingos e Cercal do Alentejo, no concelho de Santiago do Cacém, temem as consequências do impacto que possa vir a ser causado na paisagem, na agricultura e no turismo com a instalação de seis centrais fotovoltaicas, avança o jornal Público.

O projeto inicial previa a instalação de cinco centrais numa área de 2076 hectares no concelho de Santiago do Cacém, concretamente em Cercal do Alentejo e na sua periferia – Alvalade, Borreiro, Freixo e Vale das Águas​. Contudo, sofreu alterações e “amalgamaram cinco projetos [fotovoltaicos] num só local, para ocupar 816 hectares a apenas um quilómetro da povoação. “Teremos uma artificialização da paisagem”, salienta Sérgio Maraschin, residente no Cercal do Alentejo. A sua relocalização deveu-se a “questões técnicas, económicas e ambientais”, diz o Estudo de Impacte Ambiental (EIA).

Já na aldeia do Espadanal, a poucos quilómetros da sede de freguesia, Hélder Lança, jovem agricultor, desabafa que “estou pelos cabelos e deixei de dormir em condições”. No futuro, “quando abrir a porta ou as janelas de casa, a primeira imagem que os meus olhos vão passar a ver são painéis de vidro a perder de vista”. São mais de 550 mil, que ocuparão 816 hectares para produzir anualmente em média 596 GWh/ano​. A alemã Cercal Power, SA, do grupo Aquila Capital, sediado em Hamburgo, é a empresa que propôs o projeto.

O movimento Juntos Pelo Cercal, criado de forma espontânea para lutar contra a localização da central fotovoltaica, lançou nas redes sociais uma petição que salienta como a “beleza identitária” da paisagem do montado “não é compatível” com milhares de hectares de painéis fotovoltaicos junto a uma dezena de pequenos povoados.

Adicionalmente, o EIA vem reforçar as preocupações de natureza ambiental e paisagística. Na área da central do Cercal predominam as terras agrícolas, com “aproximadamente 659 hectares”, que correspondem a mais de 80% da superfície a preencher de painéis, seguida das áreas florestais que ocupam cerca de 12%. “Apenas oito sobreiros adultos decrépitos, 368 jovens sãos, cinco jovens decrépitos e quatro jovens mortos” vão ser cortados, garante o EIA. Contudo, o maior impacto do projeto vai acontecer no percurso da linha de muito alta tensão (LMAT): a área afeta à Reserva Ecológica Nacional, com 770 hectares e “ocupada por montado”, vai ser atravessada pelo traçado da linha elétrica ao longo de quase 26 quilómetros, até Sines, não sendo possível evitar a “interdição” ao corte de sobreiros.

De entre as espécies inventariadas no território onde vai ser instalada a central, destacam-se, pelo seu “estatuto de conservação elevado”, o milhafre-real (Milvus milvus), a águia-de-bonelli (Aquila fasciata), o tartaranhão-caçador (Cyrcus pygargus), o alcaravão (Burhinus oedicnemus), o noitibó-de-nuca-vermelha (Caprimulgus ruficollis), o morcego-rato-grande (Myotis myotis) e o morcego-rato-pequeno (Myotis blythii). O documento salienta que no território abrangido pelo traçado da linha elétrica, o risco de colisão de espécies de avifauna com linhas aéreas de transporte de energia “é acrescido”.

Mas o impacto ambiental não é o único a ser considerado. O Turismo de Portugal (TP)​ concluiu que o projeto “terá impactes negativos significativos sobre a atividade turística, sendo suscetível de afetar o alojamento turístico existente na sua envolvente”.   

Em declarações ao Público, a empresária Vera Ribeiro Tamarena disse que a central surge no momento em que se está a instalar, próximo do Espadanal, “um projeto turístico onde vai investir mais de um milhão de euros”, apoiado pelo TP e pela banca. “Como é que a infraestrutura se vai compatibilizar com o turismo”, questiona Vera Tamarena. “Queremos saber como vamos pagar as nossas contas porque agora com um mar painéis no horizonte, ninguém vem para cá”, observa a empresária.

Também o casal Susana Vaz e Ricardo Vaz, outros colegas do ramo que investiram há mais tempo no turismo de natureza, afirmam que o sossego associado ao verde da paisagem tem sido o “refúgio” de um número crescente de pessoas em contexto pandémico, que “ficam rendidos à segurança e à beleza paisagística que aqui garantimos”.

Os elementos que elaboraram o EIA propuseram que as populações fossem informadas sobre o projeto da central. No entanto, os residentes no Cercal do Alentejo só tomaram conhecimento de que se ia realizar um esclarecimento sobre o projeto fotovoltaico um dia útil antes de terminar a fase de discussão pública do mesmo. A reunião acabou por se realizar na rua, em frente do edifício da Junta de Freguesia do Cercal, dada a afluência de pessoas e no meio de forte contestação aos autarcas, técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), consultores e promotor do projeto.

Álvaro Beijinha, presidente da câmara, explicou ao Público que foram os condicionalismos impostos pelo confinamento que dificultaram o esclarecimento da população. “Seria difícil de aceitar que as entidades públicas realizassem reuniões onde as pessoas estariam concentradas em ambiente pandémico”, afirmou o autarca. Comentando o mal-estar que a eventual instalação do projeto está a provocar nas pessoas, Álvaro Beijinha salientou que a “generalidade da população do Cercal nem opina” sobre a central fotovoltaica. 

O autarca não garante ainda a instalação do projeto para Cercal do Alentejo, pois não se sabe “se vai ser uma realidade”, admitindo ainda que o Plano Diretor Municipal de Santiago do Cacém possa travar “o seu enquadramento no território do concelho”. Álvaro Beijinha dá também o exemplo do projeto para a mega central fotovoltaica com 1.260 hectares prevista instalar também em Santiago do Cacém e cujo proponente é a empresa Sunshining S.A. do grupo Prosolia. “Vai ter de ser reformulado”, revela o autarca.

A APA adiantou igualmente que a comissão de avaliação do EIA propôs à empresa que procedesse a alterações ao projeto para “minimizar os impactes negativos significativos identificados e possibilitar a potenciação dos impactes positivos”. A Sunshining S.A. acedeu às indicações da APA e o projeto “encontra-se suspenso” desde 22 de abril de 2021.

 

Fotografia de publico.pt