7 Janeiro 2020      09:44

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Cante alentejano vai fazer-se ouvir na República Checa

O Cante Alentejano vai ouvir-se em Praga a 9 de janeiro pelo Grupo Coral Os Bóinas.

O Festival Terras sem Sombra leva à República Checa, país convidado da 16.ª temporada, uma manifestação cultural que, desde 2014, é Património Imaterial da Humanidade.

O Grupo Coral Os Bóinas, ensaiado por Fernando Candeias, atua a 9 de janeiro no Convento de Santa Inês da Boémia, fundado no século XIII e o mais importante edifício gótico de Praga, integrando hoje a Galeria Nacional desta cidade. Na cerimónia presidida pela vice-ministra da Cultura do Governo Checo, Kateřina Kalistová, subirá também ao palco a soprano Barbora Kabátková. Isto, numa antecipação da sua atuação em Portugal, a 18 de janeiro, na igreja matriz de Vila de Frades (Vidigueira). O concerto em solo checo insere-se na “embaixada cultural e económica”, composta por mais de três dezenas de representantes das autarquias, do mundo cultural e empresarial e da comunicação social, que o Terras sem Sombra leva àquele país eslavo, o convidado desta 16.ª temporada.

A presença alentejana no coração da Europa é mais um capítulo na internacionalização do Festival, depois das presenças nos Estados Unidos e na Hungria, países convidados de edições anteriores. “Trabalhamos há cerca de dois anos com as autoridades checas para levar a cabo esta programação, que é de grande interesse no plano musical, já que permite compreender as relações musicais entre a Europa do Sul e a Europa Central. Para Portugal, é uma ocasião histórica de celebrarmos um património comum e prepararmos novos projetos”, refere José António Falcão, diretor-geral do Terras sem Sombra.

Com a inclusão na lista representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO, em 2014, o canto coral alentejano ganhou novo fôlego, com uma maior divulgação e aparecimento de novos cantadores. A história do Grupo Coral Os Bóinas insere-se neste movimento de redescoberta e renovado interesse pelo Cante. Os Bóinas começaram como um grupo de amigos de Ferreira do Alentejo que se juntavam para cantar umas modas. Desde então, têm vindo a apresentar o Cante por todo o TSS 05_Press-release 2 Alentejo, com algumas passagens noutras regiões do país e da vizinha Espanha. Constituído por mais de 30 membros, dos 11 aos 64 anos, é um grupo de cantadores com grande amplitude e potência de vozes em que a noção de coro se impõe e se revela o mais característico.

Embora procure contribuir para a renovação do Cante, o seu repertório privilegia sobretudo as modas tradicionais. Cante como expressão de um povo Fortemente enraizado no território, o Cante é um dos maiores embaixadores do Alentejo. Este canto polifónico, de compasso lento e melancólico, tradicionalmente sem acompanhamento instrumental, expressa o sentir e as vivências de um povo. De origens incertas, ao Cante há quem lhe identifique raízes árabes sefarditas, ou o canto bizantino ou, mais recentes, os cânticos religiosos nascidos nas escolas claustrais da Sé de Évora ou de mosteiros e conventos. Como certo, temos que o Cante, expressão espontânea nos convívios masculinos em tabernas, associações recreativas e cafés, se sedimentou em torno das conversas e petiscos, mas também no duro labor rural de homens e mulheres. Uma tradição passada de pais para filhos que, na atualidade, os muitos grupos corais existentes mantêm viva ao mesmo tempo que contribuem para a renovação do repertório.

O cantar alentejano é também devedor de múltiplos trabalhos de investigação. O etnomusicólogo Michel Giacometti, corso que se radicou em Portugal, esteve no concelho de Ferreira do Alentejo, em 1968, onde fez várias recolhas relacionadas com o Cante. A ligação do autor da série documental “Povo que Canta” com a região foi de tal forma marcante que, não só o museu municipal guarda parte do seu espólio, como Giacometti escolheu ser sepultado na aldeia de Peroguarda. O seu legado continua vivo com o reforço e surgimento de grupos de cantadores, de que Os Bóinas são exemplo. “Para quem conheceu e acompanhou Giacometti no trabalho de campo, como me aconteceu quando era estudante universitário, é uma imensa alegria ver que o seu esforço pela valorização das tradições musicais do Alentejo valeu a pena”, sublinha José António Falcão.