14 Julho 2018      12:04

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Canas sem açúcar

As negociações estavam num impasse. Não havia, naquele dia, qualquer possibilidade de avançarem. Eram quase cinco da manhã e não se avistava, ao fundo do túnel, nem com o raiar do Sol a possibilidade de uma decisão favorável ou, vá, equilibrada, a uma das partes. Parecia um verdadeiro Conselho Europeu em que decisões eram necessárias e os braços de ferro eram muitos, à mesa. Cada um defendia os seus interesses e nenhum chegava a lado nenhum pois o bolo era pequeno para dividir igual partes por todos. Como em todas as negociações, cada um achava que a sua parte devida era a maior de todas e, infelizmente, nunca era. Nunca será.

É preciso negociar e por as coisas em cima da mesa. As negociações são como um jogo de poker. Nunca dar a mão e nem deixar ver na cara o jogo. Dizem-me os jogadores de poker. Não sou muito bom a jogar às cartas, nem à bisca, nem aos três setes. Ainda assim, estas eram outras negociações e estavam num impasse. Na mesa, seis pessoas. Todas com diferentes interesses.

Estava o vereador da câmara na mesa. Sentado num topo, ladeado pelo adjunto, olhavam as contundentes, ambas frente a frente. Sentadas, os olhares que se trocavam eram de inimizade pura. De olhar de soslaio, a agenda estava bem marcada. Uma mulher, saia rodada, outra mulher, saia rodada, e ladeadas pelos seus filhos, adjuntos sem salário fixo, ambas concorriam à negociação em igual posição.

Havia uma vaga no campo das feiras. Só um lugar. Nem mais nem menos. Havia uma vaga a duas concorrentes. Uma a querer o lugar e a outra a querer o lugar. Ambas queriam o mesmo sítio. A roulotte das duas cabia lá. Todos sabiam o ponto de partida e cada um tinha as suas cartas escondidas, tal e qual um jogo de cartas. Olhos para a direita, olhos para a esquerda. A decisão final seria do croupier, ou seja do executivo, na pessoa do vereador.

Voltemos à barraca que estava à espera de ser armada. Ou das barracas que se desafiavam à mesa. Por um lado, Tomasiana, vendedora de cana-de-açúcar, fazia uns sumos do mais doce que pode haver e garantia, a pés juntos, que ali não havia nada a igual. Já a outra concorrente, participante de longa data, arregaçava as mangas e quase queria fazer valer o direito de uso capião daquele lugar que tinha sido seu nos últimos anos. Neste não estava seguro. Havia uma concorrente, assim à semelhança das primárias norte-americanas. Desafiava a mulher que vendia malassadas, a mulher da cana-de-açúcar.

Anastasiana, fazia malassadas desde que a mãe a ensinara, não entrara ainda na adolescência. Há muitos anos que tinha lugar na feira. Este ano, a outra oferecia mais dinheiro e isso já tinha algum efeito na discussão. Os júris olhavam e as mulheres levantavam a voz umas às outras. Conheciam-se de certeza, pensavam os terceiros que não as conheciam. Efetivamente, na adolescência tinham sido vizinhas e eram primas. A da cana-de-açúcar já tinha feito malassadas e deixou o ofício desde que emigrou para a África do Sul onde aprendeu que a cana-de-açúcar era exótico e dava rendimento. As canas, trazia-as da Madeira e a roulotte fora comprada uns anitos antes, com o dinheiro que poupara lá no estrangeiro. A prima, fazendo de conta que já não se lembrava dela, minorava a concorrente ao lugar. Assistindo não tinha tanta graça quanto contado. Havia uma tensão enorme no ar. A solução não era fácil e muito menos facilitada.

Quase dava estalada. A barraca, sem estar, estivera quase armada. Nem a prima se safava. O vereador ouviu, apontou nos papéis, olhou para o adjunto e disse que teriam resposta escrita, por carta registada. As duas mulheres, olhando-se de soslaio, sai-se-lhes uma ira das vísceras e salta a soca e andaram todas à violência. A violência nunca é solução. Ficam as malassadas sem canela e as canas sem açúcar. Neste caso, ficaram as duas sem lugar na feira. Para o ano, talvez…

 

 

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