28 Janeiro 2023      10:57

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Campos de arroz

Escondidos no meio da imensidão que era aquele país, os campos de arroz fecundavam dia após dia. Rodeados de montanhas, descansavam num terreno plano, divididos em parcelas que cada família cuidava. Homens e mulheres passavam os dias com os pés enfiados nas águas que alimentavam os pés de arroz, picados incessantemente por mosquitos de estirpes várias. Umas vezes traziam consigo malária, outras sugavam apenas algumas gotas de sangue. Quase todos tinham já experimentado uma ou outra situação. Para aquela família em particular, daquela parcela específica, o dia começava bem cedo, ainda antes do dia nascer. Escondidos pela neblina matinal iam a mulher, o homem e os filhos, carregados com os cestos feitos de vime, já descalços, pulando os combros, sem pensar que o dia seria longo e que atrás daquele, outro repetir-se-ia, sem qualquer novidade. Era a realidade que conheciam e nada mais além disso. Estavam pois perdidos do mundo, mas protegidos desse mesmo mundo que não conheciam.

Estação depois de estação, o tempo seco e o tempo das chuvas. No mesmo sítio, a sua parcela do campo de arroz. Nesse ano que não sei precisar exatamente, a produção de arroz tinha sido mais pequena. Tinha chovido menos e os pés estavam quase secos. Nem os mosquitos tinham sido em tão grande quantidade. A família não estranhava. Sabiam que uns anos seria assim, outros haveria com mais abundância.

E foi nesse mesmo ano que chegou um carro cheio de homens que nunca tinham sido vistos por ali. Traziam consigo mapas e papéis e aparelhos e tiravam medidas e tiravam fotografias. Todas as conversas e todas as imagens apontavam para aquelas parcelas de campos de arroz até aí descansadas daquela gente estranha. Tinham claramente um plano. E esse plano era cortar a montanha, abrindo uma fresta para o mundo, expondo os campos de arroz aos ventos de fora.

Explicaram à família que por ali passaria o progresso, que iam receber muito dinheiro e que já não precisavam de plantar arroz.

Em menos de um ano, os campos de arroz deixaram de o ser. O alcatrão e o betão secaram a água pantanosa. Os mosquitos foram embora. A família ficou, mas o homem e os filhos trocaram as águas nos pés pelo textura seca e áspera do pavimento, até que os carros começaram a passar incessantemente e o homem, envelhecido, sentava-se na frente da sua casa a olhar.

É o progresso, diziam, é o progresso.