29 Fevereiro 2016      12:23

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CAMINHANDO NA LENTIDÃO, CARREGANDO O APEGO

“BRADOS DO ALENTEJO”

«Quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo.»  Milan Kundera

Parece-me um bom indicador para o ano 2016 que já nos tomou quase dois meses de calendário. Mas no meio deste quase anacronismo de votos para o presente ano, parece-me sim fundamental enaltecer o que realmente deve vir à tona da discussão. Nos dias mundanos parece-me existir muita pressa em fazer cumprir, seja no trabalho, seja nas obrigações familiares, seja mesmo nos nossos desejos mais íntimos e egocêntricos. Quase não damos pela vida passar, num ilógico afã de respeitar prazos, antecipar soluções, dar respostas e, nisto a vida escapa-nos num repentino sopro. Dizia o Padre Tolentino de Mendonça, na sua Arte da Lentidão que «passamos a viver num open espace sem paredes nem margens, sem dias diferentes dos outros, sem rituais reconfiguradores, num contínuo obsidiante, controlado ao minuto». Não faz isto sentido? Não vivemos para o imediato, para o controlo desmesurado, para a frivolidade? O telemóvel fica ligado 24 horas sobre 24 horas, estamos sempre disponíveis para as múltiplas solicitações, vamos a um concerto de música e deparamo-nos com centenas de telemóveis a fotografar um momento que se queria único e irrepetível, pela companhia, pela data, pelo artista presente... As férias não são mais férias, mas um pró-forma de quem tem filhos ou simplesmente se esgotou no meio desta atrapalhação quotidiana. Os eventos familiares como o Natal preocupam-nos mais pelo que que temos de obrigações materialistas do que em viver um momento mágico de consagração a Deus e ao seu exemplo...Falta-nos algo no meio desta pressa...Falta-nos genuinidade e quiçá, contemplação do dom da vida e de termos a consciência de individualidade de cada momento que por cá passamos. É bom reduzirmos esses freios que colocamos a nós mesmos, essas barreiras quase intransponíveis de exigência, essa vivência sem surpresas algumas, logo, essa vida rotineira e coartante dos nossos movimentos e afirmações.

Mas no meio deste caminho de Lentidão, há algo que podemos acrescentar ao nosso percurso para o tornar mais confortável e gratificante. Tomei a liberdade de procurar o significado da palavra Apego não tivesse eu uma noção errónea da sua semântica. Dizia então, Apego – ato ou efeito de apegar, sentimento que une uma pessoa às pessoas ou coisas de que gosta, ligação forte, afeição, apegamento, etc... E lembrei-me outro dia de um sermão na missa em que o senhor padre falava oportunamente, nas auroras da Quaresma, da necessidade da transfiguração do Homem. Realmente por vezes faço deduções muito vastas, mas julgo que no meio deste caminho de lentidão, que nos reabsorve no gosto pela essência da vida e, sobretudo dos seus tempos, é sensível e interessante juntamos apego. Esses dois pequeninos condimentos podem ajudar-nos a debelar a desfiguração do ser humano de hoje, possibilitando-o transfigurar-se para um novo Homem, capaz de ouvir, de sentir, de tocar, de ver, sempre com maior convicção. Esses sentidos estão, fruto das tais vivências, muito adormecidos, mesmo turvos. É preciso sim recolocá-los na sua devida dimensão da vida humana. Se acrescentamos virtude no nosso dia-a-dia, em detrimento de esgotantes e ilusórias tentativas de debelarmos os nossos defeitos, fazemos mais pelo nosso bem-estar e sobretudo pela redenção de quem se sente distante do significado da vida. No meio destas somas que podemos fazer, primeiro em nós mesmos, criamos pois o apego, a serenidade, a cumplicidade, a compreensão, também pelos outros e pelo que nos rodeia em geral. Tendermos, não obstante da dificuldade de cada um, para uma versão simplista e otimista da vida, é perfeitamente legítimo e desejável. Se acrescentarmos virtude ao nosso mundo, estamos inegavelmente a criar apego, seja com quem amamos, seja com o que nos faz sentir bem. Seremos sempre muito mais realizados, estaremos muito mais disponíveis e concentrados para darmos mais de nós mesmos se aceitarmos as nossas circunstâncias,os nossos defeitos e que tudo na vida tem um tempo próprio. No meio desta introspeção, assalta-me o pensamento que um homem que reconheça estas premissas, terá forçosamente vivido mais plenamente e terá sido também por isso um bom pai, um bom marido, um bom amigo, um bom profissional e até um bom governante. E com duas meras palavrinhas, tão simples de pronunciar e de tão cordato uso, podemos mudar o Mundo num ápice. Já viram como é tão simples alterar o rumo dos nossos acontecimentos? Se há uma certa misantropia na sociedade atual, no sentido é que tudo é feito superficialmente, arrisquemos sair da prisão do telemóvel, aceitando a surpresa de algo que não controlamos, como qualquer evento social.

E assim pergunto, jantamos!!?

 

 

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