20 Janeiro 2021      14:50

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Bye, bye Trump

Michael Wolff, jornalista e ensaísta da “New York Magazine” e da “GQ”, homem do círculo próximo de Trump, num documentário da BBC, definiu a chegada de Trump à Casa Branca como uma experiência: ”O que aconteceria se uma pessoa totalmente inconsciente da história deste cargo (a presidência dos EUA), da responsabilidade deste cargo, tivesse acabado de ser largada de Marte para este cargo? É o que se tem com a chegada de Donald Trump.”

Há relatos de pessoas do seu círculo próximo que revelam o seu comportamento à chegada à Casa Branca como o de uma criança com um brinquedo novo.

Omarosa Newman, apresentadora e colega de Trump na TV, sua assessora na Casa Branca, disse que nas duas primeiras semanas Trump, fosse em reunião, fosse com quem quer que fosse, só falava das eleições e mostrava até gráficos e mapas com os condados que vencerá, pintados a vermelho; estava obececado em como vencera Hillary.

Um mês depois, o Conselheiro de Segurança Nacional já se tinha demitido, havia indícios sobre influências russas no resultado eleitoral, o banir de cidadãos de alguns países muçulmanos de estarem ou irem aos EUA, o muro com o México, a alegação constante de que noticias contra ele eram sempre “fake-news” etc. A confusão, o estardalhaço, eram já uma constante.

A 16 de fevereiro de 2017, na sua primeira conferência de imprensa como Presidente, Trump já só via a sua realidade e atacava o jornalismo: “Estou aqui para atualizar o povo americano sobre os incríveis progressos que foram feitos nas últimas quatro semanas, desde a minha tomada de posse. Mas liguei a televisão, abri os jornais e vi histórias de caos. Caos! No entanto, é exatamente ao contrário. Esta administração está a funcionar como uma máquina bem afinada.”

Estar num ambiente novo, sem conhecer muitas das pessoas que o rodeavam, levou Trump a isolar-se e estava sempre tão irritado com todos que sugeriram fazer “um tour pela vitória”, passeando pelo país, no avião presidencial, agradecendo os votos dos seus apoiantes.

Abraham Lincoln, um dos mais carismáticos presidentes norte-americanos, disse: “A demagogia é a capacidade de vestir as ideias menores com palavras maiores.” Isto resume bem a administração Trump; o teatro, a encenação, a vitimização, foram uma constante em que o seu líder muitas vezes parecia um menino birrento que se queixava e geria o país através de tweets.

Foi este o novo suposto “líder do mundo livre”. Trapalhada após trapalhada até vermos os acontecimentos que se deram no Capitólio no início do ano, comprovando um claro aumento do racismo, da xenofobia e da instabilidade mundial e que se fez sentir muitas vezes como o ambiente da “guerra fria”.

Sobre o ataque ao Capitólio, é caso para perguntar o que fariam os Estados Unidos se o que aconteceu nos Estados Unidos fosse noutro país qualquer? Ou, o que fariam os EUA se em vez de (poderia dizer alegados, mas já várias fontes o confirmaram) supremacistas brancos fossem os apoiantes do movimento “Black lives matter?” A diferença entre motim e protesto tem a ver com o tom de pele? É que basta comparar os dispositivos preparados num protesto e noutro.

(Uma nota lateral para referir que não são só as “Black lives” que “matter?”, interessam todas as vidas, independente da cor.)

As ligações entre os acontecimentos e o estilo de governação da administração Trump são irrefutáveis: o que aconteceu nos EUA foi uma tentativa falhada de golpe de Estado. Uma tentativa falhada de atirar a Democracia pelo esgoto. Pior, é que foi promovida pelo presidente Trump, e não sou eu que o digo, foi Mitch McConnell, o ainda líder da maioria republicana do Senado, o partido de Trump. A congressista republicana Liz Cheney – filha de Dick Cheney, ex-vice-presidente dos Estados Unidos na administração de George W. Bush – disse “Nunca houve uma traição maior por parte de um presidente dos Estados Unidos.”

Lembram-se do “xamã” com cornos que invadiu o Capitólio? (Curioso, um xamã branco a imitar um índio nativo…) alegou só estar a seguir ordens de Trump e que, por tal, deveria receber um indulto presidencial.

A motivação para o ódio, para o subverter das regras foram uma constante ao longo destes quatro anos. Trump nunca foi realmente presidente, foi sempre o showman que era no “The Apprentice” e isto é assustador quando falamos da mesma pessoa que pode pressionar o botão de uma nova guerra, o botão para lançar uma bomba nuclear.

Não houve política pública, não houve democracia, houve uma teatralização da mesma. Como se a realidade tivesse sido suspensa estes 4 anos e tivesse sido substituída por uma espécie de “Big Brother”, uma realidade paralela.

Homens como Rudy Giuliani, Steve Bannon, entre outros, foram as más companhias que Trump precisava para destruir quase por completo a maior democracia do mundo.

Um analista - já não recordo se do FBI se da CIA - comparou o modus operandi de Trump, junto das suas fações de apoiantes mais radicais, com o mesmo que é usado pelos grupos terroristas da Al-Quaeda, mantendo uma bolha que só dá a informação que ele quer se saiba.

As bombas sempre estiveram lá, Trump foi o fósforo, e pode haver ainda rastilhos, o tão chamado “trumpismo”. Aqui, mais que a dupla Biden/Harris, será o próprio partido republicano que vai decidir que América teremos doravante.

Para a tomada de posse de Biden estão neste momento mais tropas que os que estão no Afeganistão e Iraque. Há apoiantes de Trump armados e equipados na rua como se fossem um exército de civis, o cenário que se vê em Washington é surreal - aliás, como boa parte da gestão Trump – e as medidas de segurança superam as que surgiram no pós-11 de setembro.

Trump não receberá Biden na Casa Branca, rompe uma tradição que dura há 15 décadas, demorou e recusou-se a passar as pastas por não aceitar os resultados. No pós-eleições vimos, por várias vezes, quer Trump, quer os filhos, quer Giuliani, acusar tudo e todos, falar em roubos mas nunca apresentou provas (surgiram sim algumas gravações de tentativas de irregularidades por parte da sua equipa), ameaçou com os tribunais, e disse, repetidamente que não aceitava os resultados, que os “bons americanos” não aceitavam os resultados. O ex-diretor do FBI James Comey, em entrevista à Sky News, comparou Donald Trump a um "chefe da máfia" e diz que nunca conheceu um adulto "com tanta necessidade de reafirmação" sendo este facto "que o torna perigoso."

Para sair ainda mais pela porta pequena, com informações de um ex-CIA, o “New York Times” adiantou que Giuliani estaria a usar a sua influência sob Trump para vender perdões presidenciais por valores na ordem dos 2 milhões de dólares. Facto comprovado foi o perdão concedido a Bannon – um dos braços direitos da chegada de Trump ao poder, apoiante manifesto da violência e propulsor da extrema-direita não só americana, mas também europeia, expulso por Trump da Casa Branca e a acusado em 2020 por suposta fraude com os doadores de uma campanha de angariação de fundos para a construção do muro na fronteira com o México e ainda acusado de conspiração para cometer fraude eletrónica e de conspiração para lavagem de dinheiro.

Agora sim, é tempo de pôr em prática o seu slogan “Make America great again” (fazer a América grande novamente), mas a gestão de Biden não será fácil, terá que ser realmente sob o signo pluralista do seu “E Pluribus Unum” e é caso para dizer aos americanos “Yes, you can.” (sim, vocês conseguem).

 

Imagem de thestar. com