4 Março 2020      11:33

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Bibliotecas Itinerantes, tempos em que os livros percorriam quilómetros pelo Alentejo

Pobreza, isolamento, diferenciação social, analfabetismo e precariedade, eram traços característicos e marcantes do Alentejo profundo. Décadas difíceis de parco acesso a informação, assim foram até meados do séc. XX. Como forma de subsistência das suas famílias, pais e mães trabalhavam arduamente por esses campos, recorrendo inúmeras vezes ao auxílio dos filhos nas lides domésticas ou até mesmo laborais. Infâncias perdidas que, por falta de recursos, relegavam a educação para segundo plano, não deixando qualquer margem de acesso a hábitos de literacia, com exceção para um mero conjunto de livros escolares. Não restava tempo ao tempo e os hábitos de leitura eram também eles escassos. Ao isolamento do meio rural, onde a rede de leitura pública ia timidamente dando os primeiros passos, em nada contribuía a falta de políticas culturais inclusivas.

Com o intuito de combater a limitação geográfica e isolamento das povoações, como se verificou no Alentejo, o decreto de 18 de Março de 1911 contemplava um novo serviço bibliotecário (Bibliotecas Móveis). Nas  suas linhas mestras referia a sua função: “aquelas que utilizam livros manuais, resumos, compêndios, pequenas enciclopédias e, no geral, todas as obras de vulgarização e de distração” que fossem de utilidade aos cidadãos, permitindo o seu livre acesso e leitura domiciliária. Tinham como intenção promover a “expansão do livro” e fazer a “propaganda da leitura”, Melo (2010).

Mudaram-se os tempos mas ainda é possível recordar a chegada das tão famosas “furgonetas pão-de-forma”, Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Foram elas que, durante mais de quatro décadas, percorrendo lugarejos, aldeias e vilas, deram a primeira oportunidade de acesso à leitura a uma grande parte da população. Ao chegarem, os livros trouxeram a alegria das crianças e contagiaram os adultos que, de outra forma, não lhe poderiam ter acesso. No serviço prestado, destacam-se a sua gratuitidade, o empréstimo domiciliário e o livre acesso às estantes. Foi esta mecenática função da FCG que proporcionou não só o livre acesso à informação, como também uma verdadeira porta de acesso ao conhecimento.

Em tempos onde se fala de “exageros” tecnológicos e em que a função dos livros e os seus locais de acesso se equacionam como dispensáveis, jamais nos podemos esquecer do papel social e humanizador que as bibliotecas continuam a promover. Ontem, como hoje, a sua sobrevivência dependerá do equilíbrio, adaptação e aproximação entre territórios e respetivas realidades. Não esqueçamos também toda a rede de bibliotecas escolares que, por toda a Região, tem tido uma função de enorme formação cívica junto das suas comunidades e respectivas famílias. Diz-se muitas vezes que os leitores se formam desde o berço, pelo que, e com o vasto acesso a novas tecnologias, é a família que terá de desempenhar um papel fundamental na aquisição de hábitos e rotinas de leitura.