17 Setembro 2022      14:46

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Azulejos

Enchi a sacola com pedras que fui apanhando no meu percurso e pedaços de argila junto a um ribeiro que enchi com as minhas lágrimas derramadas, tantas vezes por coisas sem importância ou sentido. Não eram tantas lágrimas que pudessem encher esse ribeiro, mas na sua mistura com as lágrimas de outros que por lá passaram e outros ainda que passarão, as lágrimas transformaram o Ribeirão num mar, devido ao sal nelas contido.

A argila misturou-se com as pedras que já se encontravam no saco que, aos ombros, carregava com dor.

A dor transporta-se de muitas maneiras, individual, em grupo, com intensidade maior ou menor. Na minha sacola apanhara não só as minhas pedras e argila tocada pelas lágrimas e a água do ribeiro que era mar, mas a de tantos outros que deixaram as suas pedras por apanhar. Solitário, caminhava com um saco cada vez maior e mais pesado.

Parecia-me não haver um final para o caminho tortuoso onde me encontrava. Talvez tivesse virado no lugar errado, por um atalho que me alongara o caminho para sempre.

Num percurso que se rodeava de paisagens díspares, tão iguais aos meus estados de alguma, para alguma coisa serviria. Disso estava certo. Sabia que fosse qual fosse o destino, os obstáculos, o impossível, o possível e as alegrias, no final construiria azulejos com as pedras e a argila, que enfeitariam a minha casa final.

Os azulejos têm em si e captam uma beleza transformadora quando aplicados numa parede que nos rouba a vista. Os azulejos contam uma história, algumas de séculos passados, outras de anos mais próximos mas todos eles pedaços das vidas, dessas que carregaram pedaços de pedras e argila no caminho, desde I momento que nasceram.

A beleza nasce do trabalho, das ideias, essencialmente do esforço e da dedicação profunda a uma obra, seja essa construção humana ou natural. Os meus azulejos capturam-me a beleza do percurso, reúnem e enclausuram as pedras e as lágrimas.

Os meus azulejos contam a minha história, ao mesmo tempo que a aprisionam, deixando nele a minha memória, gravada e dividida em quadrados iguais.