4 Maio 2019      11:41

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Aos pulos e aos saltos

Tinha a inocência de uma criança, embora tivesse os seus oitenta anos. Esta é a narração da vida do homem que pulava e saltava mais do que qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.

Era, como Alberto Caeiro, guardador de rebanhos e de sonhos, embora fosse mais velho do que aquele que foi Pessoa. Por isso, andava aos pulos e aos saltos, q cada dia, todo o ano, e nunca se cansava.
Chamava-se Jaime e vivia no meio do nada, quando esse nada era mais do que o tudo que todos os outros tinham. Pensava assim do mundo e da sua própria vida.

No meio do rebanho que guardava, de cabras montanheiras, a vida parecia percorrer os caminhos mais belos.

A esteva que dava a papoila e a papoila que floria. O rosmaninho que, púrpura ou verde, se agitava ao vento, e o amarelo das coisas. Tudo se conjugava para a felicidade do Jaime que, aos pulos e aos saltos, sabia o que havia e ignorava tudo o que havia mas que desconhecia.

Tinha os olhos da cor da terra e a pela rasgada pelo tempo mas, por dentro, uma criança, que pulava e saltava.

Os seus ossos tinham já descalcificado e as dores muitas vezes impediam que corresse e saltasse como fizera um dia, de rocha em rocha e de combro em combro.

Jaime não conhecera outra vida. Havia muitas outras. Paralelas, que nunca chegaram a acontecer. Numa seria médico, na outra engenheiro, padre e até carpinteiro. Em nada Jaime se arrependia, até porque não conhecia mais nada. Do bucolismo absoluto, das paisagens imaginárias e imaginadas, Jaime andava aos pulos e aos saltos.

No inverno saltava menos e no verão saltava menos também. Quando saltava mais era na primavera que o tempo está mais ameno.

As cabras e as ovelhas observavam-no atentamente quando saltava. Pastavam um ou outro ramo ou pompo e saltavam. Jaime saltava com elas. Aos pulos e aos saltos, aos oitenta como se nem aos vinte tivesse chegado, o homem que era feliz porque aquilo que conhecia era tudo. Era nas pequenas coisas. Era nelas que Jaime conhecia o sentido da vida. Aos pulos e aos saltos, entre rebanhos e sonhos, com o olhar no horizonte e o cajado no braço.

 

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