7 Abril 2021      10:07

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Ambientalistas ibéricos alertam para “assalto” às águas do Guadiana

Os novos regadios do Algarve e de Huelva estão sedentos e os dois países planeiam, “sem acordo prévio nem atenção pelos caudais ecológicos necessários ao estuário do Guadiana, avançar com novas captações no troço internacional do rio”, alertam os braços português e espanhol da organização ecologista World Wild Fund (WWF).

Em declarações ao Expresso, Afonso do Ó, especialista em recursos hídricos da Associação Natureza Portugal/ World Wild Fund, explica que “a sede de água para alimentar as culturas de abacate, laranja e de pequenos frutos em estufa (morangos, mirtilos, amoras, framboesas) dos dois lados da fronteira estão por detrás deste assalto ao rio Guadiana”.

O responsável indica ainda que estas captações vão acontecer “sem contar com um acordo formal entre os dois países, à revelia da Convenção de Albufeira (que define o acordo para a gestão das águas partilhadas) e sem garantias de manter um caudal ecológico e de cumprir a Diretiva-Quadro da Água”.

Em causa estão sobretudo as captações de água planeadas para o Pomarão (no concelho de Mértola) do lado português e o reforço da captação de Bocachanza (onde o rio Chança conflui com o Guadiana) do outro lado da fronteira, que aqui é delineada pelo rio até à foz.

No caso de Portugal, a nova captação enquadra-se no Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREHA), “que visa aumentar a oferta de água no Sotavento Algarvio, e prevê investimentos de 55 milhões de euros até 2025 para levar água do Pomarão até à albufeira de Odeleite, que abastece os usos urbanos, turísticos e sobretudo agrícolas da parte leste da região”, esclarece a ANP/WWF em comunicado.

Já do lado espanhol, a Junta da Andaluzia prevê reforçar a captação existente e mais do que duplicar em caso de situações extremas de seca, passando dos atuais 30 hectómetros cúbicos (hm3) em média para 75 hm3, de acordo com o Plano Hidrológico do Tinto, Odiel e Piedras.

Contudo, os ambientalistas destacam que “a Junta da Andaluzia passou a assumir a captação permanente no Bocachanza e do transvase para as bacias do Tinto, Odiel e Piedras, sem justificar qualquer situação de emergência” e sem apresentar os prometidos estudos sobre o caudal ecológico do estuário.

Em ambos os casos, os planos para executar esta intenção contam com o financiamento do Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência, o que, segundo os ambientalistas, “viola o princípio de não prejudicar significativamente a utilização sustentável e a proteção dos recursos hídricos ou o bom potencial ecológico das massas de água”.

Assim, as duas organizações apelam às respetivas administrações públicas “para que estabeleçam legalmente e no âmbito de uma revisão da Convenção de Albufeira as reais disponibilidades para eventuais captações e transvases a partir do Rio Guadiana”.

Note-se que a convenção de Albufeira prevê a obrigatoriedade de deixar passar um caudal diário mínimo de dois metros de água por segundo, “mas isso significa apenas um fio de água”, lembra Afonso do Ó, criticando o facto de os dois países ainda não terem criado um secretariado permanente para monitorizar os rios que partilham.

“No sector agrícola há uma liberdade que não respeita a escassez de recursos e se se continuar a usar água além dos limites sustentáveis ela deixa de existir nas torneiras, mas também nos sistemas de rega, e depois são os contribuintes a ter de pagar as indemnizações aos agricultores”, lamenta o responsável.

A ANP|WWF e a WWF Espanha querem que os dois países cumpram a Diretiva-Quadro da Água europeia, protejam os rios e aquíferos do Algarve e de Huelva e compatibilizem os objetivos ambientais com o desenvolvimento socioeconómico da região transfronteiriça.

 

Fotografia de rr.sapo.pt