19 Maio 2017      23:16

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A ALBARDA

"PARALELO 39N"

Aquilo era uma cidade cosmopolita, cheia de gente em movimento, lojas e lojas, umas grandes e grandiosas, outras pequenas e gourmet. Aquilo era uma cidade em movimento, um não parar de gente que sempre apressada, nunca parecia contente.

A cidade tinha tantas luzes que parecia ter maior claridade durante a noite do que a luz que o Sol naturalmente lhe dava. Em cada rua, milhares de pessoas cruzavam-se acima e abaixo, em cada rua os apitos e os barulhos que desfilavam, par a par com as pessoas. Na estação, diariamente, dizem as estatísticas, talvez um milhão. E, nesta loucura de movimento, nesta euforia do momento, perdera-se, pobre e deslocado, um homem pouco viajado, o Manuel da Alcaria.

Não sabia ele nem ninguém como tinha ido ali parar. Acostumado a estar sentado lá no monte, com as azinheiras e os medronheiros no horizonte, com o nascer do sol a mostrar o este e o oeste, perdera o rumo e caíra na cidade do consumo. Nunca se perceberia como tal acontecera, mas a realidade era que Manuel da Alcaria aparecera no meio daquela cena, como se fosse uma película de cinema e, agora, sair dali?

Sempre se achara desenrascado. Nunca tivera dificuldades em subir e descer a rua em dia de mercado. Logo, não seria assim tão difícil e podia sempre perguntar às gentes. E assim foi, destemido, começou a falar e logo o interlocutor soltou um ruido. Mas que língua era aquela, mais parecia um grunhido. Manuel não se deixou ficar e, certo de encontrar o caminho, mal fechasse os olhos, começou a contar as moedas que tinha no bolso e a olhar para o céu à procura do Sol. Sabia de antemão que, estando no verão, os dias eram mais longos e tinha tempo de, andando para norte, chegar antes da meia-noite, com sorte.

Perguntar às pessoas não valia a pena. Uns não o percebiam e quase todos nem paravam para ouvir o que tinha para dizer. Nestas cidades cosmopolitas é tudo diferente, não há pessoas, há gente que se atropela. Não pára para admirar uma pequena esteva, um pequeno trevo de quatro folhas. Na cidade, reparou Manuel, há muitos mas em madeira e em papel. E, à noite, iluminam-se tal e qual a um luzincu.

E nisto, com as suas botas cardeadas, finas, ensebadas, lá caminhava rumo a norte, na esperança de encontrar o monte. Porém, e se ir mais além, lembrou-se que precisava de comprar umas coisinhas lá para o monte e, com tanto reboliço talvez lá houvesse o que procurava. Sobe a rua, desviando-se de um e de outro, sentindo um atordoamento, já ia meio almareado com tanta gente mas tinha um objetivo em mente.

Queria comprar uma albarda para o burrito que, coitado, não via uma nova desde a altura em que herdara aquela do outro mais velho que morrera e, sejamos honestos, carregar com o Manuel ou a Maria, sem albarda, não daria muito jeito. E o animal era sensível, levava estas coisas a peito.

Manuel, que sabia o que fazia, dentro ou fora da Alcaria, entrou na primeira loja que ficava mais a caminho, a maior e a mais imponente. Seria que havia albardas naquilo que se chamava Prada? Faria sentido, a albarda usava-se no prado e o burrito ficaria consolado.

Entrou e saiu em dois tempos, nem subiu ao primeiro andar. Penso, deitando as mãos à cabeça que, se umas peúgas custavam mais de cem euros, quando não custaria uma albarda ou uma samarra. E nisto, saiu descontente e irritado, seguindo o caminho até ao mercado, se o conseguisse encontrar. Não perdera a esperança e avançava. Parecia até já da cidade. Coitado, coitado era o burrito que ainda teria de esperar pela albarda e pelo dono. Mas até lá, ficava atado à azinheira, a ruminar, descansado.

 

Imagem de furlao.com.br