20 Janeiro 2018      12:43

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ALARMISMOS

No mundo atual, em que nada parece ser tão próximo de uma realidade virtual, imaginada por um criador de ficção científica, há núcleos ainda onde tal passa despercebido. Um desses sítios, desconhecido da esmagadora maioria de todos vós. Quase todos, se não todos, nunca ouviram falar da terra de que vos vou falar hoje. Chama-se Monte Novo dos Alarmes.

Era irónico o nome. Tão irónico. Chama-se, desde os primeiros habitantes, Monte Novo dos Alarmes. Os primeiros habitantes tinham-se estabelecido lá há cerca de 200 anos. A primeira casa pertence à família mais antiga. Não vou falar em nomes de ninguém. O único nome que interessa é o do Monte, porque é no Monte que se passa o núcleo.

O Monte Novo dos Alarmes nunca se alarmava com nada. As coisas pareciam mover-se a uma velocidade tão lenta quanto os passos em volta de um caminho circular. Nada causava distúrbio, nada se implementava em pouco tempo ou em poucos dias. As coisas eram simples e não requeriam que se pensasse muito sobre elas. No Monte, o Novo, o dos Alarmes, sem existir pânico ou stress, as batatas eram sempre semeadas na mesma altura, os repolhos e a couve lombarda, caiam na terra adubada e saíam dela nas mesmas datas, os alhos eram colhidos em dia de São João, bem como os grãos. Enfim, não havia novidade alguma na passagem do tempo. Nem se dava por eles.

Os habitantes não pensavam nas coisas além do que o Borda D’Água dizia, nem precisavam. Naquele Monte não havia nada que pudesse superar a ficção, nem assemelhar-se a ela. Não ia lá ninguém de fora, a não ser o padeiro, a mulher das mercearias e o peixeiro. Já falei antes das buzinas, mas eram todas diferentes, isso já sabemos. Essas já eram conhecidas pelos habitantes do sítio onde nada acontece e, consequentemente, não causavam estranheza nem qualquer tipo de alarmismo.

Houve, porém, um dia em que tudo se alterou. Alterou tudo, quer dizer, só nesse dia. Até alterou o final da história que deveria continua a ser contada neste tom monocórdico, em que nada acontece. O final não foi assim. Aconteceu uma coisa que naquele monte que nunca tinha acontecido. As pessoas alarmaram-se, houve gritos, algum pânico ligeiro, e muita conversa nos meses que se seguirão. A coisa aconteceu no passado domingo. Eram 11:51 da manhã e deve ter durado aí uns poucos segundos mas deu para sentir. Em Monte Novo dos Alarmes, pela primeira vez, as pessoas alarmaram-se. Uns estavam na horta a cavar uns canteiros quando aquilo começou tudo a tremer, fazendo crer que era uma baixa de tensão, não fossem os torrões a mexerem-se de uns lado para o outro e a enxada a parecer um martelo pneumático.

No cafezinho da aldeia, os velhotes que bebiam os chás e os cafés, começaram a sentir tudo a mexer e partilhando olhares de espanto, decidiram que o melhor era fugirem para a rua e abrigarem-se onde não lhes pudesse cair nada em cima. A princípio não tiraram ilações do que podia ser aquilo. Uns pensaram que era a cafeína a entrar na corrente sanguínea, outras não pensaram nada. Tremiam e era suficiente. Ficou tudo alarmado.

Cá fora, todos, olhavam-se em espanto. Aquilo quebrava toda uma rotina que não tinha nunca sido quebrada. Olhavam-se com medo. A rotina alterava-se como se as batatas já não pudessem ser apanhadas no mesmo dia. Naquele momento, deixaram de acreditar que as couves e os repolhos viessem a tempo. Todos os habitantes duvidaram das coisas que eram certas. Havia certezas até aí e, a partir deste momento, deixou de haver. Alarmismo é a palavra que se pode aplicar. Monte Novo dos Alarmes estava em pânico. Até que se ouvisse alguma coisa lá de fora do raio do Monte, nada era seguro. Certo que estou a exagerar mas o assunto deu que falar nesse dia e nos próximos. Acredite-se que uma equipa da televisão veio filmar e os relatos foram alarmantes, pessoas ainda a tremer, outros que se recusaram a falar para a câmaras, a descrição viva das mesas que se moveram e dos bibelots que caíram das prateleiras.

Foi maior o susto, ou melhor, não valeu para ele. Mas o certo é que, naquele dia a ficção tornou-se realidade e um sismo tornou literal o nome da povoação. Ficarão para a memória os relatos e as imagens gravadas e uma dúzia de telhas partidas na casa do velhote lá de cima, uns azulejos que caíram, múltiplas rachas nas paredes ao longo da aldeia e as couves e as batatas que, efetivamente, não virão na data prevista.

 

Imagem de bursadabirgun.com