21 Maio 2020      11:09

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After Life – um drama cómico

O mais recente projeto de Ricky Gervais ganhava destaque num passado recente e, essencialmente atraído pelo fino recorte do humorista britânico e pela ironia que caracterizava as suas obras até então, era com bons olhos que o perspetivava.

A série conta-nos a história de Tony Johnson (interpretado por Ricky Gervais), um homem viúvo, que tenta sobreviver a uma depressão que o consome desde a morte da sua mulher, vítima de cancro da mama. Jornalista na pequena vila de Tambury, no jornal local – Tambury Gazette – Tony contempla várias vezes o suicídio, e opta por viver a sua vida através de insultos constantes ao mundo que o rodeia, como punição por este lhe ter tirado a sua pessoa mais querida. Particularizado pela personagem como um superpoder, o seu plano rebaixador vê-se gorado quando as pessoas que o rodeiam o pretendem ajudar a ultrapassar tamanha perda.

Com uma rotina que mantém apesar de tudo, são os desabafos diários com um psicólogo incompetente, as visitas ao lar onde vive o seu débil pai, a convivência com os colegas no trabalho, as idas ao túmulo da mulher – onde encontra regularmente Anne (Penelope Wilton), em conversa com o seu falecido esposo - e especialmente, o convívio com Emma (Ashley Jensen), que propiciam uma mudança na vida de Tony.

De mão dada com o humor negro, este pesado dia-a-dia mistura momentos de angústia com gargalhadas impensáveis, enquanto nos guia para um cenário improvável de reviravolta perante uma situação em tudo adversa. Quiçá, aquilo que destaca essa improbabilidade seja exatamente o modo como Ricky Gervais elabora o twist na vida da personagem principal: rodeado por pessoas bondosas, porém com problemas específicos, a relação que com elas mantém permite-lhe retirar, do ridículo, forças para ir em busca de um futuro menos perturbador.

Baseado em factos da sua vida real, apesar de não ter perdido a sua mulher (Jane Fallon), Ricky Gervais já conviveu de perto com o luto, após a morte dos seus pais com quem mantinha uma forte relação. Algo que não o impediu de, durante as suas cerimónias fúnebres, esboçar um sorriso fugaz que acalmara a dor sua e dos seus irmãos, sempre que possível. Foi em tais momentos que tentou sempre este projeto. São várias as maneiras de lidar com uma dor que nos possua. Ricky Gervais concilia duas (aparentemente) opostas, na personagem de Tony Johnson - a depressão e o humor – para obter um imprevisível desfecho positivo.

É, aliás, esta a beleza deste drama cómico, que nos faz desejar uma 3ª temporada para breve.

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Guilherme Catarino, nascido em Lisboa em 2000, estudou no Colégio de São Tomás e encontra-se no 2o ano da licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa