26 Janeiro 2018      11:47

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AFECTOS, AFECTOS...TRABALHADORAS À PARTE

Esta é uma crónica solidária com as centenas de trabalhadoras que lutam pelo seu posto de trabalho e pelo seu futuro e dos seus filhos. Mas é também o apontar o dedo à falta de apoio de quem tem a obrigação de estar com quem trabalha, quem produz, quem cria riqueza.

Com os salários em atraso desde o fim do ano, as trabalhadoras da fábrica Triumph são mulheres de coragem. Estão desde o dia 5 de janeiro em vigília à porta da sua fábrica em Sacavém, a tentar evitar que as máquinas e a produção existente sejam retiradas pela “investidora” estrangeira que a adquiriu, como acontece tantas vezes nestes casos.

A Triumph, uma empresa prestigiada, onde ao longo de décadas foi feita a roupa interior que muitas das mulheres portuguesas usam, foi comprada em 2016 pela TGI-GRAMAX, numa operação que merecia o aplauso do Ministro da Economia.

Como em tantos outros casos, embandeiravam em arco com aquisição da Triumph pela sociedade de investimentos suiça Gramax Capital, falando-se no desenvolvimento da produção e na manutenção de postos de trabalho e produção que a entrada desta investidora internacional proporcionaria.

Mas menos de 1 ano depois já a Gramax estava a promover o despedimento de 150 trabalhadores e agora os 463 trabalhadores enfrentam o desemprego com a insolvência da empresa, adquirida e desmantelada e com a deslocalização da actividade para países de mão d’obra mais barata.

Em desespero as trabalhadoras lutam e pedem o apoio ao Governo e ao Presidente Marcelo.

Foram a Belém na passada 2ª feira, mas ficaram na porta.

Com’assim?  é a pergunta que surge de imediato.  Marcelo não recebeu as trabalhadoras?

Depois de o povo português ter convivido durante 10 anos com um presidente carrancudo, pouco simpático, Marcelo desenhou para si o papel do afável, o pai de todos os portugueses, aquele em cujo ombro encontrarão sempre arrimo: o “Presidente dos Afectos”.

Inteligente e manipulador, o Presidente dos afectos não se distraiu e tratou de trabalhar bem a sua imagem, criando a convicção de que não deixou de se pronunciar sobre tudo, ir a todo o lado e distribuir beijos e abraços a toda a gente.

Mas é mesmo assim? Ouvimos Marcelo pronunciar-se sobre tudo? Vimo-lo ir a todo o lado? Foi solidário com todos os que precisam?

Não, Marcelo é um presidente de afectos selectivos.

Ninguém vê Marcelo na Fábrica da Triumph a dar uma palavra de apoio e de coragem às centenas trabalhadoras que estão sem salários desde o ano passado.

Para estas trabalhadoras não houve nem o tempo nem a vontade para as receber em Belém, para que pudessem expressar, de viva voz, ao Presidente dos Afectos as dificuldades por que passam e a certeza de que a empresa Triumph é uma boa empresa com capacidade de se manter.

Como também não vimos qualquer pingo de solidariedade do Presidente para com os trabalhadores da PT-Altice, nem qualquer indignação pelo encerramento das estações dos CTT e despedimento anunciado de trabalhadores.

Marcelo, reserva os afectos para “viúvas e desvalidos da sorte” que não reivindiquem e muito menos apontem o dedo às grandes empresas e ao capital.

Temos um presidente selectivo, na sua origem de classe e na sua opção política.

As trabalhadoras, essas, continuam na sua luta com dignidade.

(Escrito com a grafia anterior ao AO90)

Imagem de capa de PAULO SPRANGER/Global Imagens para o JN