23 Dezembro 2015      11:23

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VALE A PENA PENSAR NO FUTURO DE VILA VIÇOSA?

Foi esta a pergunta que moveu Tiago Salgueiro a lançar aquilo a que chamou um “ato de cidadania”, um projeto de “crowdfounding” que pretende criar uma plataforma de debate -  uma discussão pública com todos os organismos e com a comunidade local – que culmine com a edição de um documento com propostas concretas para encontrar soluções com vista a melhorar e diversificar a resposta aos turistas e o futuro de Vila Viçosa.

Em destaque estarão estratégias a médio/longo prazo e que impliquem essencialmente a revalorização patrimonial e o desenvolvimento turístico a implementar a médio prazo.

Os possíveis lucros da venda dos exemplares já têm um destino: as Instituições de Solidariedade Social do concelho de Vila Viçosa.

Sempre com base na discussão pública e comunitária pretendem identificar-se quais as áreas ou sectores importantes para o desenvolvimento a médio prazo.

O seu promotor, Tiago Salgueiro, de 40 anos, é Licenciado em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Mestre em Museologia pela Universidade de Évora. Foi Bolseiro no Bourguiba Institute of Modern Languages na Universidade de Tunis e na Facultad de Filosofia y Letras da Universidad de Cádiz, é atualmente Técnico Superior no Museu-Biblioteca da Casa de Bragança. É o autor das obras “Do Japão para o Alentejo – A Embaixada Japonesa Tenshö em Vila Viçosa no ano de 1584”, “Fortificações Quinhentistas de Vila Viçosa”, e do romance “A Dúvida, em sentimento transformada”, e esteve à conversa com o TRIBUNA ALENTEJO:

 

TRIBUNA ALENTEJO (TA) - COMO SURGIU A IDEIA DE FAZER ESTE PROJETO?

Tiago Salgueiro (TS) - Este projeto, designado “Vila Viçosa – Ideias para o futuro”, foi apresentado ao PPL Crowdfounding e surgiu no âmbito duma reflexão sobre o potencial turístico e cultural de Vila Viçosa, que, na minha opinião, não tem sido bem aproveitado. Na minha ótica, creio que existem características singulares e diferenciadoras que podem ser utilizadas como estímulo no que concerne à dinamização turística. Realçar aquilo que nos distingue, em termos históricos e patrimoniais, pode ser uma ferramenta muito importante no que concerne à captação de visitantes. E este facto terá reflexos no comércio, na hotelaria e na restauração. Criar eventos que marquem a diferença, associados à história local e com o contributo de Instituições e da comunidade em geral, trará sem dúvida benefícios a médio prazo. Somente é necessário algum empenho, uma planificação de metas e contributo de todos.

 

"Penso que a ausência desse sentido crítico tem sido também um obstáculo ao desenvolvimento. É necessário pensar, discutir, analisar e retificar." - Tiago Salgueiro 

 

TA – É UM PROJETO INDIVIDUAL?

TS - Trata-se de uma iniciativa que tem tido vários contributos. Aliás, os próprios parceiros do projeto, na qualidade de promotores, são convidados a apresentar ideias e propostas concretas. Não entendo este projeto como algo individual. O objetivo é fazer com a comunidade calipolense reflita sobre temas que são importantes e que podem vir a constituir eixos de desenvolvimento no futuro. Tentámos, por cada tema abordado, fazer um enquadramento histórico e, a partir dai, a identificação do que poderá ser feito. Trata-se de um contributo que penso que pode ajudar a pensar sobre aspetos excecionais de Vila Viçosa. Não se trata neste caso de fazer projeções teóricas sobre a importância do turismo e o seu impacto económico. Trata-se de um projeto que contém ideias concretas e possíveis soluções. Contudo, não se encara esta iniciativa como algo definitivo. Pretende-se sobretudo uma discussão pública dos conteúdos apresentados, através da participação dos cidadãos.

 

TA - QUE DIFERENÇAS VÊ ENTRE A VILA VIÇOSA QUE TEM E A QUE DESEJA VER?

TS - Penso que Vila Viçosa tem desaproveitado algumas boas oportunidades de permanecer no “mapa”. Quando digo isto, penso nas potencialidades deste território e na forma como isso poderia ser utilizado para dinamizar em termos turísticos o concelho e permitir uma maior visibilidade em termos nacionais e internacionais. O que tem faltado, na minha opinião, tem sido um diálogo construtivo entre as Instituições locais que tutelam o património na prossecução de objetivos comuns. Vila Viçosa tem assistido a uma estagnação nas últimas décadas. Penso que esta opinião é unânime. Creio que muito pouco tem sido feito em prol da cultura, salvo raras e honrosas exceções que estão bem identificadas. Mas há muito para fazer. Este trabalho pretende, única e exclusivamente, fazer com que a comunidade faça uma reflexão sobre temas que são do interesse de todos e que são transversais. Não tem nenhum outro propósito. Penso que a ausência desse sentido crítico tem sido também um obstáculo ao desenvolvimento. É necessário pensar, discutir, analisar e retificar. Isto só pode ser alcançado se as ideias foram partilhadas.

 Se não pensarmos sobre aquilo que nos torna diferentes e que pode vir constituir uma forma de progresso, dificilmente conseguiremos inovar e trazer visitantes até nós.

 

TA – TEM ALGUMA TERRA COMO EXEMPLO? ALGUM PROJETO QUE LHE TENHA SERVIDO DE BASE?

TS - Vila Viçosa é uma localidade bastante inspiradora. Muitos dos que nos visitam deixam essa mensagem, reagindo por vezes de forma estranha, ao afirmarem que a marca “Vila Viçosa” está mal divulgada. A necessidade de elencar pontos de análise partiu sobretudo desse pressuposto. O que é que nos diferencia? Poderá ser essa singularidade atrativa para os visitantes? Quais os passos que podem e devem ser seguidos?

Foram sobretudo estas as ideias que deram origem a esta iniciativa. São no fundo o resultado de anos de aprendizagem sobre as especificidades de Vila Viçosa que podem ser atrativas, se forem bem divulgadas.

 

TA - E COMO TÊM REAGIDO A COMUNIDADE E AS ENTIDADES A DESTE PROJETO?

TS - O projeto encontra-se neste momento numa fase final e a participação tem sido muito efetiva. A data de conclusão está agendada para dia 12 de Janeiro de 2016. A meta inicial pretendia alcançar 1000 euros, o montante necessário para a edição de 250 exemplares do projeto. Neste momento, esse valor já foi ultrapassado, graças ao apoio de vários calipolenses interessados sobre esta temática. Depois de dia 12, o documento, que contém 160 páginas, irá para impressão. Assim que esse processo estiver concluído, faremos a apresentação em Vila Viçosa, em local ainda a definir. Cada um dos parceiros que contribuiu com algum montante terá direito a um livro. As receitas obtidas da venda dos restantes exemplares reverterão a favor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Viçosa, Delegação da Cruz Vermelha, Cáritas Paroquial de Vila Viçosa e Bombeiros Voluntários. Portanto, não há nenhum tipo de benefício particular. Tudo será feito com transparência, no sentido de tentar dar uma ajuda às instituições locais e permitir que cada leitor faça uma abordagem crítica sobre os conteúdos apresentados.

 

TA - FICA A SENSAÇÃO QUE O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SE BASEIA, ESSENCIALMENTE, NO PATRIMÓNIO E NA VERTENTE TURÍSTICA. O QUE MAIS SE PODERIA CRIAR/DESENVOLVER EM VILA VIÇOSA?

TS - Efetivamente, é assim. Mas penso que é esse legado patrimonial de Vila Viçosa que não está devidamente aproveitado. Se criarmos condições e motivos de interesse para que as pessoas prolonguem a sua estadia, a economia local será beneficiada. Há muito por fazer. E o projeto abrange várias vertentes. Penso que a inovação tem a ver com a identificação de ideias que poderiam ser imagens de marca de Vila Viçosa. Isso implicará, obviamente, algum investimento, mas, sobretudo, a necessidade de colocar pessoas e instituições a “falar umas com as outras”. Essa plataforma de entendimento é fundamental. Vila Viçosa não pode, na minha opinião, desaproveitar aquilo que a diferencia de outras localidades. Porque é isso que hoje se procura. O turismo de qualidade, assente em vetores de inovação que podem e devem ser estimulados.

 

TA – ACREDITA QUE SE CONSEGUIRÁ TRANSPOR AS IDEIAS/PROPOSTAS QUE SURJAM EM ALGO REAL?

TS - Se assim não fosse, não teria decidido avançar com o projeto. O objetivo é fazer com que estas ideias passem à prática e possam ser concretizadas, a médio/longo prazo. Este não é um documento para “ficar na gaveta”. Algumas das propostas apresentadas são mais complexas. Exigirão sem dúvida uma planificação cuidada e uma política orçamental a ser implementada, com responsabilidades repartidas entre o município e as demais Instituições locais. Como referi anteriormente, ao apresentarmos cada ideia, reunimos um conjunto de propostas com o objetivo de viabilizar o que inicialmente foi pensado. É óbvio que haverá mais leituras, conjugadas com as necessárias opiniões críticas e isso é muito benéfico, também tendo em conta as características do projeto.

 

TA - O QUE DESTACARIA DO PATRIMÓNIO EXISTENTE EM VILA VIÇOSA?

TS - Há muito por destacar, mas eu deixaria essa análise para mais tarde. Porque todos esses destaques estão enumerados e caracterizados no projeto, nomeadamente a nível da arquitetura, da história, da gastronomia, entre muitos outros. Apelo aos leitores da Tribuna do Alentejo para que participem nesta iniciativa, para que possamos posteriormente discutir e analisar cada ideia em pormenor. Volto a frisar este aspeto importante. Vila Viçosa é uma localidade com uma história excecional. E isso pode constituir uma forma de despertar o interesse no turista dos nossos dias, cada vez mais atento e curioso. Procurar novas experiências e aprendizagens em Vila Viçosa será o caminho a seguir. Não penso que seja utópico pensar assim e acredito que temos condições para disponibilizar, no futuro, a quem nos visita, ótimas formas de acolhimento, baseadas num património notável e muito diversificado.  

 

Fotos de Tiago Salgueiro