6 Dezembro 2015      10:48

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UMA EXPERIÊNCIA ECLÉTICA

Não há mestre que não possa ser aluno” - Baltasar Gracián

Há dois dias, após ter assistido a um congresso internacional em Lisboa, dedicado ao tema “Judeus e Cristãos-novos no mundo Lusófono”, apercebi-me de que qualquer investigador, pelo prisma da sua disciplina, é livre de poder abordar qualquer assunto, embora possa não parecer, à primeira vista, encaixar-se na sua área de pesquisa e que todos, embora o manifestem de maneiras distintas, podem interessar-se por assuntos idênticos de uma forma sui generis, mas igualmente válida.

Na verdade, o facto em si não constitui uma novidade, mas para mim, foi uma surpresa assistir a uma palestra sobre processos da Inquisição, apresentada não sob um ponto de vista antropológico nem histórico, mas desde a perspetiva de três juristas, na verdade, advogados mestrandos. Há que referir que as brilhantes apresentações com que presentearam a audiência, não só foram inspiradoras, como também se destacaram por ganharem o interesse da plateia pela apresentação dos resultados das pesquisas efetuadas. Convém salientar que da audiência constavam maioritariamente historiadores, filósofos, antropólogos, assim como homens e mulheres de Letras.

Pode parecer óbvio que estudar processos de uma instituição, que, no fundo, obedecia a um conjunto de cânones, apesar de suas práticas terem sido marcadas pela arbitrariedade (passem-me o eufemismo), seja feito por quem realmente entende de leis. E tem deveras toda a lógica, pois, quem melhor que o especialista em leis para refletir sobre o Tribunal do Santo Ofício?

Num outro momento, assisti ainda a uma palestra na qual um brilhante bolseiro da Universidade de Évora se concentrava nas elites eclesiásticas locais ibéricas, referindo as estratégias de legitimação social e de limpeza de sangue a que recorriam os cristãos-novos para poderem entrar no mundo eclesiástico, ficando também a ideia de que as companhias curiais eram grandes apreciadoras de subornos.

A assistência a essa palestra fez-me refletir sobre o facto de tudo poder verdadeiramente constituir matéria de estudo, como também o poder ser, o povoamento da Ilha de São Tomé por cristãos-novos, ou ainda e, mais uma vez, uma aprazível surpresa, a investigação feita ao lugar de destaque da memória na história oral dos judeus, cujos processos são analisados pela CIL (Comunidade Israelita de Lisboa) com vista à futura aquisição da nacionalidade portuguesa.

Para além dos referidos temas serem inesperados e extremamente interessantes, a paixão e a entregue dos conferencistas que os apresentaram são fascinantes e inspiradores. De facto, cada um fez a sua comunicação com base em meses e até anos de investigação, fruto de um trabalho árduo e rico, e transmitiu-a aos presentes com convicção e um brilho no olhar.

Ademais, não posso deixar de referir a palestra que, seguramente, mais me marcou pela qualidade científica que caracterizava tanto o conteúdo apresentado como a forma, a facilidade de comunicação da palestrante e a empatia criada com a audiência. Com efeito, uma senhora relativamente jovem dissertou sobre os militantes judeus das esquerdas armadas torturados e mortos no Brasil entre 1969 e 1975, muitas vezes com a voz embargada e lágrimas nos olhos, referindo os horrores a que foram sujeitos esses jovens brasileiros, que se posicionaram contra o governo e cujas mortes foram mascaradas de suicídios, entre outras barbaridades.

Assim, a partir de fragmentos ecléticos de vivências e investigações alheias, achei conforto nesse território do saber, nesse mundo de pensadores cultos e humanistas. Mais ainda, tudo me encorajou a calcorrear esses caminhos da sapiência e a pisar pegadas com tamanho empenho e paixão.