28 Junho 2015      11:56

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TROPOS, MA NON TROPPO

As figuras de estilo são elementos textuais que nos permitem atribuir às palavras um sentido conotativo, isto é figurado, com o intuito de tornar o discurso mais expressivo. Talvez não seja exagerado dizer que a maioria do comum dos mortais crê que só os eruditos as utilizam em produções literárias ricas e complexas, mas a profusão de figuras de estilo que surgem no quotidiano autorizam-nos a afirmar que não existe, na verdade, nada mais popular (simultaneamente afamado e comum), já que usamos maquinalmente metáfora, metonímia, sinédoque, catacrese, metalepse e outros tropos (figuras que alteram o sentido das palavras conferindo-lhe um valor conotativo).

De facto, quem nunca se exaltou com alguém asseverando ter dito a mesma coisa mais de mil vezes, recorrendo dessa forma a uma hipérbole? Quem nunca perguntou “Queres que te mande ou vais sozinho”? Não esperando qualquer resposta do seu interlocutor e socorrendo-se assim de uma pergunta de retórica para pôr um termo à conversa.

Seguramente que o caro leitor, mestre na arte da ironia, já vociferou algo como “Isto está bonito, está!”, querendo expressar exatamente o contrário, recorrendo à antifrase ou ainda à lítotes, sugerindo mais do que aquilo que efetivamente se diz: “Este até não é parvo de todo”.

Noutro caso de figura, se dissermos que o vizinho é “mais velhaco que um piolho” estabelecemos uma comparação entre uma pessoa e um parasita, ressaltando o caráter malicioso da primeira. Mas se dissermos que a sogra é uma ave rara, comparamos dois seres vivos implicitamente, aludindo a certa excentricidade do primeiro.

Em casos mais extremos, até poderemos ter vontade de chegar a vias de facto e chegar a roupa ao pêlo a alguém (eufemismo), aludindo a algo mais violento. Mas como sabemos que a violência não leva a lado nenhum, o melhor, se calhar será dizer-lhe que vá e não volte (antítese, aproximação de dois termos antagónicos) e ir beber um copo, isto é, o líquido contido no copo (metonímia, referindo o continente pelo conteúdo).

Como podem ver, não será preciso reafirmar (apesar de termos acabado de o fazer, paralipse), que em qualquer conversa, por mais banal que seja, afloram as figuras de estilo. Por exemplo, quando vemos um bom filme de mortos vivos (oxímoro ou paradoxo), quando fazemos um chá de barbas de milho ou, na confeção de uma açorda, quando pisamos dentes de alho. Em ambos casos, dada a inexistência de uma palavra mais acessível que permita referir-nos aos estigmas de milho e às folhas escamiformes do bulbo de alho, usamos barbas de milho e dentes de alho, da mesma forma que usamos barriga da perna, sola do pé ou braço da cadeira (catacrese).

Quando nos referimos a um dos nossos antepassados dizendo que deve andar às voltas no caixão, empregamos uma prosopopeia através da qual conferimos vida a um defunto ou a algo inanimado, mas se por intermédio do nosso discurso atribuirmos qualidades humanas a um animal, falaremos de personificação. Como o sei? Foi um passarinho que me contou.

Caro leitor, retiro-me de um pé saudoso (aludindo a uma parte do corpo essencial à locomoção em detrimento do todo, sinédoque). Do mesmo modo, poderia referir a hipálage, isto é a atribuição a um substantivo de uma qualidade que logicamente deveria pertencer a outro, mas não pretendo aborrecê-lo, (referindo a consequência de não retirar-me, metalepse).

Por favor, passem-me os tropismos. Em minha defesa, só direi que tudo isto resulta da direção que a pena escolheu e nela não mando eu.