13 Junho 2015      20:13

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TEORIA DA CUNHA

Existe, em Portugal, pelo menos uma teoria que todos conhecem. Essa teoria é a teoria da cunha e enuncia-se da seguinte forma: todo o individuo, independentemente das suas qualificações e do seu mérito, está apto a aceder a um estatuto, a uma remuneração ou a um título se conhecer as pessoas certas. A cunha é assimilável a um reflexo de sobrevivência que se impõe a todo ser humano nascido em Portugal. A rapaziada mais qualificada ainda vai acreditando que os estudos e o mérito pessoal bastarão, mas acabam por se inclinar diante das proezas alcançadas pela via da cunha. Para os menos qualificados, o reflexo da cunha é inato. Face às dificuldades, o primeiro automatismo é bater a todas as portas: à do João porque ele conhece o Manuel, à do Pedro porque ele conhece o Esdrubal ou à da Maria porque ela conhece a Dra. Margarida. Assim, nas cupulas como na base, a sociedade organiza-se aleatoriamente em torno de influências veiculadas em surdina.

A cunha é uma instituição de caracteristicas semelhantes à do Centro de Emprego, com algumas diferenças de monta. Se presseguem ambos o mesmo objectivo, a verdade é que a cunha pode revelar-se bem mais eficaz no acesso ao emprego. Portanto, resumindo e concretizando: recebe-se do centro de emprego para se estar no desemprego e a cortesia ordena que se pague pela cunha que despoletou o ambicionado emprego. Amiude as duas instituições entrelaçam-se e servem-se mutuamente. Através da cunha arranja-se emprego e através do subsídio de desemprego retribui-se a cunha.

Os códigos e os costumes da cunha apelam porém ao reconhecimento de todos quantos dela usufruiram. Todos eles devem perenizar os valores de justiça, reconhecimento, camaradagem e bem-estar comum veiculados pela instituição. Estes são o garante da subsistência da cunha numa sociedade cada vez mais injusta. Assim o Manuel que acedeu ao emprego pela via da cunha não deixará, a seu turno, de consentir na cunha do Ricardo. O esquema infernal repete-se dezenas, centenas, milhares de vezes até que os tentáculos da instituição se expandam de norte a sul, de este a oeste. O tempo faz o resto: imprime na identidade do nosso povo as insignias de uma sociedade injusta e pouco eficiente.  

Naturalmente que não havendo dados sobre a incidência da cunha na sociedade portuguesa, só poderemos deixar a nossa impressão acerca da tendência da mesma. Fica-nos, de facto, a impressão que a cunha sofre em dias de crise e perde em eficácia. Naturalmente que a culpa não é da cunha que continua a aplicar os mesmos postulados de eficiência. A culpa é do Estado, que ao dificultar o acesso à Função Pública, asfixia os “encunhados” e condena, assim, toda uma instituição. A emergência social consiste então em condenar os sucessivos governos ou a cunha?