17 Junho 2015      10:17

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SOMOS TODOS POLÍCIAS!

No início de 2015, após os tristes acontecimentos na redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo, as redes sociais foram invadidas pelo slogan “Somos todos Charlie!” numa manifestação contra os atentados em si e ao facto de serem uma afronta à liberdade de expressão. Tal como outros países, em Portugal também a adesão a este movimento foi grande. Pelo menos até ao momento em que o Rui Patrício assou um frango em Belém, a Sagres filmou esse cozinhado e deu-o a conhecer ao mundo e o pessoal só não mandou fechar a empresa porque em Portugal a cerveja, se é Sagres, é Sagrada! Nessa semana acabaram-se os problemas dos atentados à liberdade de expressão por cá.

Antes que eu próprio seja banido por estar a escrever sobre futebol (ainda para mais numa altura em que o mundo futebolístico nacional está em ebulição por causa dos treinadores), passemos ao tema desta crónica: Somos todos polícias!

Não, não é nenhum slogan de apoio nem ao polícia bom nem ao polícia mau de Guimarães. É, isso sim, uma constatação que todos nós, cidadãos da República Portuguesa, somos neste momento polícias ao serviço do fisco. Não concorda?

Por acaso o leitor experimentou fazer o seu IRS este ano? Tem conferido as faturas que lhe são passadas? E, já agora, tem conferido o setor de atividade da empresa que lhe passa a fatura? Não? Acha que não faz sentido? Talvez faça…

Tem filhos em idade escolar? Então muito provavelmente terá que adquirir livros escolares para eles. Suponha que o leitor se desloca à papelaria ABCD e eu ao supermercado XPTO e que ambos adquirimos os mesmos livros. Para acertar as contas, suponha que ambos gastamos 100 euros.

Considerando o IRS relativamente aos rendimentos de 2014, as despesas de educação são dedutíveis em 30% até ao limite de 760 euros (podendo essa dedução depois ser aumentada, de acordo com a dimensão do agregado familiar). Nesse caso, devido aos livros, a dedução é equivalente a 30 euros. Mas… e há sempre um mas na fiscalidade portuguesa.

A questão é que para ser dedutível na educação, o estabelecimento tem que estar registado com o código de atividade económica (CAE) correspondente, caso contrário no site das finanças a fatura não aparece para esses fins. Pode o leitor dizer que a partir do próximo ano também é possível deduzir despesas familiares, incluindo supermercados. Certo, isso é verdade num montante de 35% desses gastos até ao máximo de 250 euros. Ou seja, é suficiente fazer despesas de 715 euros para esgotar o limite dos 250 euros. Contabilize quanto gasta de água, luz e gás num mês… mais a alimentação… e esses livros afinal podem não contar para nada! E só porque a empresa não está devidamente registada.

Mas há uma possibilidade de entrarem: é eu tornar-me polícia! Andar em cima disto tudo (porque o que mais tenho é tempo livre para isso) e depois confirmar todas as outras faturas que podem ser dedutíveis em sede de IRS. Mas atenção, não se esqueça que para serem dedutíveis é necessário que o cidadão verifique até ao dia 25 do mês seguinte se essa fatura foi comunicada ou não pela empresa. É isto que é ser polícia! “Sr. Lojista ABCD, tem que mudar o código CAE da sua empresa; Sr. Dono do Supermercado XPTO, veja lá que eu quero os livros no meu IRS; Sr… Sr… Sr… quero a minha fatura lançada!”.

E, para terminar, para ser polícia deste tipo, ainda andamos equipados com computador ou qualquer dispositivo móvel e com acesso à internet. Somos ou não somos uma sociedade desenvolvida?...