20 Dezembro 2015      11:50

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PEQUENA CRÓNICA DE NATAL

"TEXTURAS"

Nesta quadra natalícia, pensei que dedicar um dos meus devaneios quinzenais à Bíblia, livro por excelência, cujas tramas narrativas constituem a base de tudo o que se tem vindo a escrever até agora, seria adequado. No entanto, o nascimento de um menino, em si, não tem nada de realmente inovador. Na verdade, o que despertou a minha atenção, aquando da leitura atenta dos acontecimentos que antecederam e sucederam o nascimento de Jesus Cristo, foi a importância do espaço onírico.

Com efeito, José foi visitado em sonhos por um anjo que lhe revelou que Maria estava grávida e que seu filho era obra do Espírito Santo. Seguidamente, os Reis Magos foram avisados em sonhos de que não poderiam regressar para junto de Herodes, que queria informações sobre o paradeiro de Jesus, regressando a suas casas por outro caminho e evitando o Palácio do rei. Um pouco mais tarde, José foi visitado em sonhos pelo anjo do Senhor que o avisou de que o rei Herodes ia matar as crianças de sexo masculino com idade inferior ou igual a dois anos. Por fim, mais uma vez, após a morte de Herodes, já quando José, sua mulher e seu filho se encontravam no Egipto, o anjo volta para aconselhar o regresso da família a Israel, no entanto, advertido em sonhos uma última vez, José retira-se para a região de Nazaré (Mt 1, 1-2).

Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”. - António Gedeão

 

É patente a importância do espaço onírico como mecanismo da trama narrativa que permite o desenrolar da ação, resolvendo problemas pelo meio de advertências ao protagonista, aconselhando-o a fugir ou a tomar decisões mais acertadas. Pode dizer-se que o anjo, aparecendo a José e aos Reis Magos em sonhos, age como adjuvante, sendo a entidade que os auxilia indiretamente. Indiretamente porque a interação entre o anjo e as personagens efetua-se num plano diegético diferente, no espaço dos sonhos, acabando por retirar a carga sobrenatural ao episódio e conferindo-lhe, de certa forma, mais credibilidade. Por outro lado, parece claro que essa preponderância do sonho permite também a entrada em cena do mundo do inconsciente em que Deus também tem ascendência porque o sonho não é mais do que o espelho do mundo espiritual. De facto, a sua reiteração simboliza a ancoragem da sua pujança nos espíritos dos crentes.

Assim se conta uma história, porventura, a maior jamais contada, recorrendo a elementos simbólicos, neste caso veladamente sobrenaturais, e graças a essas habilidades diegéticas, leva-se a história exatamente pelo caminho que se quer, socorrendo-se de mensageiros de um Deus omnisciente, omnipresente e omnipotente que é, no fundo, segundo os escribas, o verdadeiro autor cujo poder se reflete também na densidade dos estratos narrativos, contados, recontados e sonhados.

Boas festas!