4 Dezembro 2015      23:12

Está aqui

OXALÁ

os dias em que nada acontece deste lado do rio, oxalá acontecesse uma novidade. Mesmo que fosse uma pequena novidade, seria suficiente para terminar o marasmo em que os dias se transformaram. Nos dias em que o sol aparece tímido e se esconde atrás das nuvens, oxalá pudesse recordar as tardes soalheiras de fim de verão, sentado à beira mar, numa praia do Algarve, bebendo uma cerveja gelada.

Oxalá as minhas recordações deixem de ser tão vagas quando tento adormecer e não consigo. Nesses dias em que nada acontece, reflito sobre a vida e aquilo que me move a fazer o que faço, penso nas pessoas que vivem paralelamente a mim e com quem nunca me cruzarei. Penso nas oportunidades que poderiam ter sido, mas não foram por um acaso do destino. Penso e questiono-me se existe destino ou sou eu que o construo diariamente. Oxalá tivesse resposta para todas as dúvidas que me assolam.

Nos dias em que nada acontece aqui, atrás das montanhas, escondido no chalé, com a neve a cair lá fora, uma lareira a queimar toros de pinho, leio um livro chamado Guerra e Paz e penso que se uma das palavras não existisse (Guerra), não teríamos necessidade de clamar tanto pela outra. Mas, também de que nos serve clamar por ela quando aqueles que podem, efetivamente, decidi-la, não a fazem? Oxalá o livro termine, penso eu, inundado de pensamentos silenciosos e solitários como o que revê a situação que é recorrente em imagens desta altura. Vou buscá-la à memória e escrevo-a porque já a vi antes. Oxalá tivesse capacidade de criar, imaginar outros mundos, outras situações que não tivesse visto já. Criar algo de novo é das coisas mais difíceis e, ao mesmo tempo, importantes na vida da humanidade.

Oxalá que quem imagina e cria povos de outros mundos não o fizesse, recorrentemente, à nossa semelhança, como sempre vemos em desenhos, na televisão, em todo o lugar. Se os houver, que sejam diferentes. Talvez por não termos certezas das coisas, criamos mais e mais para preencher o vazio. Não gostamos de não saber, temos medo de não perceber. Não gosto do vazio, incomoda-me, a mim, como à maioria de nós, que haja algo que não entenda.

Nos dias em que somos estranhos, em que não falamos e não trocamos palavras entre nós, há a esperança de que essa palavra de origem moura seja dita e repetida. Oxalá é esperança e, oxalá, diz-nos que temos vontade de mudar. Sem muito para dizer além disso, numa conversa entre dois estranhos, argumentam-se ideias, esclarecem-se dúvidas e o plano nebuloso que é o horizonte numa manhã de nevoeiro. Sim, essa em que D. Sebastião vai regressar. Oxalá surja no cavalo em que partiu e que aquilo que não entendemos passemos a entender. E, no discurso frágil que, nas sociedades atuais temos, oxalá se fale com sentido e nos percebamos sem recurso a aplicações de tradução frágeis que traduzem sintaticamente, mas não têm e, duvido, terão capacidade semântica.

Oxalá os potes de ouro e os trevos de quatro folhas tragam sorte como todas as outras superstições do mundo. Que, nos dias em que nada acontece, aconteça alguma coisa que nos ponha a falar, a agradecer e a sorrir. Esse sorriso fará toda a diferença nos dias cinzentos e será ele a proporção necessária para preencher o vazio. Oxalá!