25 Julho 2015      10:43

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O VENTO

Nestes dias de julho, cá deste lado, em Timor-Leste, o vento sopra com força. Por causa disto, fiquei a saber que em Timor-Leste e na Indonésia as motorizadas são conduzidas com casacos não porque esteja frio mas para evitar que este faça entrar doenças no corpo como por cá se acredita. Não me lembro que, no resto do ano, nem na época seca nem na época das chuvas, sopre da maneira persistente e meio enfurecida que hoje sopra. As montanhas que rodeiam Díli aparam um pouco a sua força, mas o sussurrar de segredos ao ouvido das árvores é contínuo. Tem sido assim, nestes dias, Talvez seja pelas tempestades ao sul ou talvez seja porque ao oeste, naquele que é conhecido como o Anel de Fogo, os vulcões começaram a acordar de um sono prolongado.

Monte Ruang, seguido de muitos outros na Indonésia, que até agora dormiam, começaram a soprar a cinza, levada pelo vento para outros lados mais distantes, fechando aeroportos como o de Bali, tão visitado, e assim mudaram os planos de tantas pessoas que todos os dias se deslocam no ar. Acredito ser verdade quando penso que no caminho do vento as barreiras são feitas de papel. Acredito também que, no caminho da chuva, o vento é uma autoestrada que a desvia e faz com que as gotas aterrem em lugares opostos àqueles onde deviam repousar. E, no meio das planícies, das savanas, das searas e da montanha da floresta tropical, para o mesmo sítio onde leva as gotas da chuva, as folhas, o pólen e as sementes, acaricia-as na brisa que as transforma em vida. Forte, o vento desenha os vales, molda o horizonte e instala uma nova ordem nas paisagens que se mutam.  

Também vejo que ele é uma metáfora da matéria de que somos feitos. Assume várias facetas como todos nós, seres humanos. Pode, num mesmo dia, passar de uma brisa suave e leve rompendo todos os silêncios como um furacão. As nossas emoções são brisas e são tempestades que arrastam todo o mundo atrás de si. Muitas vezes, agarramo-nos ao vento para nos dar luz, pensamos nele como a fonte de mudança, de uma erosão que transforma o conhecido e o transforma em novo. À semelhança das árvores da Patagónia, olhamos para o Norte, empurrados nessa direção.

Usando o vento como imagem, somos diferentes a cada dia e em cada dia, assumimos a força da brisa e o delírio do furacão, semeamos os campos, criamos vida e somos capazes de a mudar ou usar essa mesma força destruidora. No Alentejo diz-se que o vento está levante ou que é o sirocco, fala-se de algo seco e destruidor que vem do norte de África e, medido na escala de Beaufort, muda o destino das colheitas e altera as ações dos homens. Diz-se também por esses lados que de Espanha nem bom vento nem bom casamento. É a esse vento seco e repleto de areia a que se alude, quanto aos casamentos já é outra história. 

Ao longo dos tempos, o ser humano deu-lhe importância, olhou-o sem que o visse. E, enquanto ele passava, nas trovas de Manuel Alegre, construía-se o amanhecer de um país que mudava, como o vento, de direção. Também ao mesmo tempo que soprava numa janela e se enrolava nas folhas caídas, segredando as ideias a Emily Brontë, passava a ser um monte dos vendavais, numa tempestade de um amor que acabaria em tragédia. E, de tragédia falou também Margaret Mitchell numa obra em que tudo o vento levou e acabou tragicamente nas páginas de mais um romance. É sempre ele que bate à porta quando há a chegada suave das boas notícias, mas é o mesmo que é capaz de mudar a cor do céu, como Gogh o pintou.

Hoje, quando aqui em Timor-Leste o vento sopra com mais força e os vulcões acordam no Anel de fogo, escrevo sobre ele e sobre a nossa relação consigo, com os outros e com aquilo que conhecemos ou que não conhecemos. Como ao vento, tantas vezes se culpa o desconhecido pelo resultado das nossas ações. Mas, esse mesmo que, não regularmente mostra a sua força destruidora, um olhar diário mostrará que transporta a vida, dá energia e encontra a ordem como se um físico fosse. 

 

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