28 Abril 2015      16:40

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O LADO NEGRO DA ECONOMIA

Numa época em que as tristes notícias que abrem repetidamente os nossos telejornais são sobre abusos e hediondos maus tratos que culminam na morte de crianças, muitas vezes com escassos meses de vida, parece-me URGENTE (mais) uma chamada de atenção!

Escrevo esta crónica porque não consigo de modo algum ficar indiferente a esta realidade e escrevo-a também porque para além de economista, marido e filho, sou Pai.

Tanto quanto um economista é capaz, sempre me opus à visão mais economicista das coisas, ao lado negro da Economia. Reduzir tudo e todos a uma dimensão económica e ignorar todos os outros fatores que não a oferta e a procura numa tomada de decisão é, na minha opinião, passível de crítica.

Em termos económicos, não podemos esquecer as externalidades que podem ocorrer e a importância dos bens públicos. Com a adição destes elementos à equação, torna-se mais fácil manifestar relutância à visão economicista. No caso concreto dos tristes eventos que servem de mote a esta crónica é a própria visão humanista que deve vir ao de cima, procurando ofuscar o lado mais negro da economia.

Ao mesmo tempo que se fala sobre os recentes casos de maus tratos infantis, vieram a público notícias sobre a falta de recursos, (in) capazes de fazer face a esta tortura em tempo útil.

Em muitos casos as famílias onde ocorreram os maus tratos estavam já sinalizadas, mas apesar disso não houve atuação. E não houve porque? Pela tal falta de meios... O que faz parecer que regredimos no apoio a este tipo de situação. Atualmente a cada técnico duma comissão de proteção das crianças e jovens é-lhe atribuído nem mais nem menos que 300 processos!!! Isto não pode acontecer! Nunca! Em local algum!

A questão fundamental da Economia tem a ver com a multiplicidade de necessidades e a escassez de recursos, ou seja, os euros que temos não chegam para tudo o que precisamos e como tal há que fazer escolhas. Famílias e empresas fazem-no diariamente.

A tal visão economicista compara e balança 1€ com 1€, independentemente de este ser canalizado para pagar remunerações de órgãos sociais, gastos correntes como papel de fotocópia ou o apoio a crianças em risco. Mais uma vez: como pode isto acontecer?!

Segundo o FMI, a economia portuguesa perdeu 400 mil empregos nos últimos 4 e a recessão real acumulada chegou a 6,6%. A crise e a necessidade de aplicar medidas de austeridade não pode levar a que cortes sejam feitos de forma cega.

Há cortar e cortar… e nada disto pode ser utilizado para atenuar ou desculpar a grosseira negligência com a qual nos deparamos.

Todos nós pagamos impostos e não são assim tão poucos. De acordo com a OCDE o conjunto da carga fiscal sobre os salários médios e das contribuições para a Segurança Social, pagas quer pelos trabalhadores quer pelos empregadores portugueses, ultrapassam os 41%. Como tal é inteiramente legítimo que nos questionemos sobre o destino dado a este dinheiro e existem tantos e tantos outros que podem ser questionáveis.

Num cenário em que estamos perante um adulto que fique sem o seu emprego, sem qualquer tipo de apoio social ou até mesmo sem a sua casa, seguramente que se trata de uma situação grave, mas existe sempre uma saída! Essa pessoa pode encontrar condições para lutar e dar a volta à sua situação.

Mas…e uma criança? Uma criança indefesa onde e junto de quem a mais deveria proteger? Não consegue lutar! Não tem capacidade de se defender.

Salvam-se Países, salvam-se bancos e não se consegue salvar uma criança? Que mundo é este? Que Economia é esta?