13 Novembro 2015      20:10

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"NÃO GOSTO DE CRISPAÇÕES"

Maria de Belém, candidata à Presidência da República, esteve hoje em Évora, numa visita ao Parque de Ciência e Tecnologia, Centro De Negócios do Alentejo (NERE) e ao ÉvoraTech, a incubadora de empresas da ADRAL. Aproveitámos a oportunidade para uma conversa com a mulher que quer ser Presidente da República capaz de canalizar "a energia para a resolução dos desafios que se colocam a Portugal e aos Portugueses", num momento em que o País parece bipolarizar-se entre esquerda e direita.

 

Tribuna Alentejo: Como se define ideologicamente?

Maria de Belém: Identifico-me com o socialismo democrático sendo militante do Partido Socialista desde a década de 70. Ligam-me ao PS os valores do humanismo, da liberdade e dos direitos humanos, valores caros para mim e pelos quais tenho pautado a minha vida.

 

Tribuna Alentejo: Do vasto conjunto de experiências que teve ao longo da sua vida e que marcaram o seu percurso cívico e político, o que destacaria e de que forma poderão essas experiências ser úteis no exercício das funções a que se candidata?

Maria de Belém: A decisão de me candidatar à Presidência da República não foi, como calculará, tomada de ânimo leve. Foi uma decisão ponderada e amadurecida, que vai no sentido de um caminho de mais de 40 anos de vida pública. Não destacaria uma experiência em detrimento de qualquer outra. Penso que os lugares que ocupei, as funções que exerci, a experiência que adquiri, quer nacional, quer internacional, levaram-me agora a enfrentar este desafio. Não sou uma candidata artificial, a procurar causas de última hora só para compor o meu percurso. Não comecei hoje e não falo apenas sobre as coisas. Realizei obra. Ontem, como hoje e, naturalmente, amanhã, o que sempre disse e fiz está de acordo com o meu percurso, quer pessoal, quer cívico, quer político. Sinto-me, por isso, preparada para exercer o mais alto cargo da Nação, se for essa a vontade da maioria dos Portugueses.

 

Tribuna Alentejo: O País parece estar a viver uma bipolarização entre direita e esquerda, sendo que esta última apresenta, pelo menos, quatro candidatos, dois deles emanados do PCP e do Bloco de Esquerda. O que a distingue  dos outros candidatos?

Maria de Belém: As eleições para a Presidência da República são, ao contrário dos restantes actos eleitorais, a manifestação expressa de uma decisão pessoal e, acima de tudo, individual. No meu caso, embora as pressões para que eu formalizasse a minha intenção em candidatar-me tivessem começado há cerca de um ano a avolumar-se, só tomei essa decisão em meados deste ano. Tenho afirmado publicamente que, numa altura em que, progressivamente, os eleitores se vão afastando das eleições, com taxas altíssimas de abstenção, que crescem a cada acto eleitoral, a variedade de candidatos anunciada, à esquerda e à direita, permite aos eleitores ter um amplo leque de escolhas, o que, no meu entender, valoriza a democracia e a liberdade. Em relação ao que me distingue dos restantes candidatos, penso que o meu percurso fala por si e tem sido coerente: não apareci de repente na vida política e tenho, como disse, mais de quatro décadas de vida pública, dedicada às temáticas que me são mais caras: a economia social, a saúde, a luta contra as desigualdades, a atenção aos mais desfavorecidos, a investigação e o conhecimento como factores de desenvolvimento.

 

Tribuna Alentejo: Em relação ao espaço económico que integramos, aos problemas comuns que temos com os outros países europeus, sobretudo ao sul e às diferenças que temos com o norte da Europa, deve a Europa ser mais ou ser menos federalista, i.é., defende maior aprofundamento da união política?

Maria de Belém: O poeta castelhano António Machado tem um poema (Proverbios Y Cantares) que eu considero particularmente feliz, quando, a dada altura do poema refere que “o caminho faz-se caminhando”. O projecto europeu, na sua génese, ainda como Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), criou-se para, pragmaticamente, evitar que França e Alemanha entrassem novamente em guerra e arrastassem a Europa para um novo conflito. Passaram-se já longas décadas desde essa altura. A Europa aprofundou-se, expandiu as suas fronteiras e transformou-se de projecto meramente económico em projecto político, ancorado nos direitos humanos que sustentam a democracia. Hoje o espaço europeu é um oásis para quem nos procura – e se dúvidas houvesse, bastava ver o que tem acontecido com o drama dos refugiados – mas onde ainda existem assimetrias graves. Não apenas entre o norte e o sul, mas entre Estados na mesma geografia europeia.

O aprofundamento do caminho europeu tem sido aceite pelos que integram este espaço, com opções de transição e outras de opting out – veja-se o caso por exemplo dos acordos de Schengen ou da adopção do euro como moeda única. A soberania, tal como era definida no passado, já não existe. Os Estados-membros da UE, Portugal incluído, têm aprofundado um caminho que, perdendo soberania – no seu conceito tradicional do termo, englobando controlo do seu território, a emissão de moeda, a defesa do País, etc. – tem levado os Estados a um maior compromisso com o projecto e ideário europeu. No futuro, o caminho da União até pode passar por mais federalismo, por uma união mais política e a funcionar, em termos de política externa por exemplo, a uma só voz. Mas, qualquer que seja o percurso, defendo e acredito que este só terá sucesso pela vontade expressa dos seus membros. A União Europeia é um espaço de segurança, solidariedade, de igualdade e também de liberdade. No dia em que estes pilares não forem respeitados ou se ficarem esquecidos, temo muito pela continuidade do projecto europeu.

 

Tribuna Alentejo: E como analisa o nosso papel na CPLP?

Maria de Belém: A CPLP teve como missão muito nobre na origem da sua criação juntar no mesmo espaço e sentar à mesma mesa os países que têm uma História passada comum e que falam a mesma língua. Integra o Brasil – único país da América Latina que fala Português – os cinco países que foram colónias portuguesas, com três dos quais Portugal manteve uma guerra de 13 anos e, apesar disso, encontrámos uma plataforma de entendimento comum. Fizemos, igualmente, um trabalho admirável ao juntar neste espaço Timor-Leste, hoje membro de pleno direito e reconhecido internacionalmente, após décadas de ocupação indonésia. Portugal tem todo o interesse no aprofundamento da CPLP. Enquanto membro do Governo, empenhei-me sempre no estreitamento das relações entre os países que integram este espaço e sinto um especial orgulho pelo facto de a CPLP ter sido formalmente criada durante um Governo de que fiz parte.

 

Tribuna Alentejo: Pretende dedicar alguma atenção especial à diáspora portuguesa?

Maria de Belém: A diáspora portuguesa é importantíssima. O Presidente da República é o Presidente de todos os Portugueses e isso, inclui, naturalmente, todos os cidadãos nacionais que não vivem dentro das nossas fronteiras. Se o Chefe de Estado representa o nosso País lá fora, também a nossa diáspora tem um papel a representar, como “embaixadores” informais de Portugal nos países onde se encontram. A comunidade portuguesa no exterior deve ser acarinhada e valorizada, não apenas pelo Presidente da República, mas igualmente pelos restantes órgãos de soberania. É minha intenção, aliás, realizar até às eleições algumas visitas à diáspora, onde poderei ouvir de viva voz as preocupações, as sugestões e anseios dos nossos emigrantes.

 

Tribuna Alentejo: Sendo um país de emigração, Portugal transformou-se também num destino de emigrantes. De que forma avalia esta nova realidade?

Maria de Belém: Encaro-a com muita naturalidade. Portugal deu novos mundos ao mundo, tem a sua diáspora espalhada pelos quatro cantos do planeta e fez um trabalho admirável, na década de 70 ao integrar cerca de um milhão de Portugueses que regressaram após a independência das ex-colónias. Com a crise de refugiados que assola a Europa, Portugal esteve na primeira linha dos países da União Europeia que se disponibilizaram, à medida das suas possibilidades, para receber aqueles que não têm mais condições para permanecer nos seus países. A nossa História e a forma como lidamos com o “estrangeiro” mostra que Portugal sempre soube estar no lado certo da História e antecipar tendências. Tenho muito orgulho na nossa tradição de tolerância e solidariedade para com os estrangeiros que nos procuram.

 

Tribuna Alentejo: Numa escala menor mas não experimentada, apesar de constar nos princípios fundadores da nossa III República perguntamos, como concretizar o desígnio constitucional da Regionalização?

Maria de Belém: A Regionalização é um assunto que está respaldada na nossa Lei Fundamental. Mas este é um tema de governação e não do Presidente da República. Os  Portugueses foram já chamados em referendo a pronunciar-se sobre este tema, que, como se recordará  não obteve aprovação. Já a questão das assimetrias, é matéria que deve a todos preocupar.

 

Tribuna Alentejo: A Presidência da República precisa de mais ou de menos poderes?

Maria de Belém: Os poderes do Presidente da República estão consagrados na Constituição da República Portuguesa. O nosso regime, enquanto semi-presidencialista, atribui um leque de poderes ao Governo, outros à Assembleia da República e ainda outros ao Presidente da República, numa clara separação de funções. Temos convivido bem, ao longo destes 40 anos de democracia com essa divisão clara, estruturante, aliás, das democracias. Sinto-me confortável com o actual modelo constitucional nesta matéria.

 

Tribuna Alentejo: Quem foi para si o melhor Presidente da República pós-25 de Abril?

Maria de Belém: Não gostaria de pessoalizar a minha escolha, até porque as próximas eleições presidenciais não são o julgamento ou a avaliação de quem já ocupou esta cadeira em Belém. Todos os Presidentes foram marcantes e determinantes no seu tempo e nas funções que exerceram. E o seu passado foi certamente fundamental para marcar as suas respectivas formas de actuação.

 

Tribuna Alentejo: Qual será para si o maior desafio que se vai colocar a quem ocupar a Presidência da República?

Maria de Belém: Vivemos tempos de crispação. Eu não gosto de crispações. Quando investimos muita energia na crispação, sobra-nos muito pouco tempo para a construção. Eu sempre fui uma pessoa de consensos e defino-me como uma sua construtora, não uma destruidora. O Presidente da República deve ser um moderador de conflictos, procurar unir partes desavindas e ser o garante do correcto funcionamento das instituições. Pela minha parte, se for eleita, os Portugueses podem contar com uma Presidente que canalize a energia para a resolução dos desafios que se colocam a Portugal e aos Portugueses.

Imagem de João Pereirinha.