18 Abril 2015      00:59

Está aqui

Lee Kwan Yew

O que é um nome?

Quantos nomes existem no mundo?

Podemos ter o mesmo nome, ser gémeos idênticos mas nunca seremos a mesma pessoa.

O que é um nome?

Esta semana dou como título a este texto um nome.

Um nome tonal, um nome oriental. O nome de Singapura. Atrás desse nome esconde-se uma pessoa. Atrás de um nome esconde-se sempre uma pessoa. Por isso, é tão complicado incluir tanto, tantas idiossincrasias, tantas variantes num nome em algo tão reduzido como um nome.

Há dias, ouvi de novo este nome, Lee Kwan Yew, e, pela primeira vez, captou-me a atenção. Não me recordo bem porquê, mas falei ao telefone com Yang. Yang é de Singapura e está no Japão, de férias. A sua voz era uma voz triste e monocórdica, uma voz chorada como as vozes do seu país. Disse-me que, apesar de todos o saberem, ninguém sabia. Como, assim, também ninguém poderia prever que a notícia de uma morte tivesse um impacto tão grande. Repetiu-me, num tom rouco e pausado – estou muito triste. Morreu o nosso pai fundador, morreu o nosso líder, Lee Kwan Yew. Ouvi o nome serenamente e, meio atónito e meio fascinado com as suas palavras e com a reação ao falecimento do antigo primeiro-ministro, não consegui ser Yang em seu lugar, no seu pensamento e entender tudo na totalidade. Prostrado num silêncio de incredulidade e partilha de tristeza, só lhe consegui apresentar as minhas condolências pela sua perda, pela perda do seu povo.

Nascido a 16 de setembro de 1923, foi-lhe dado o nome de Lee Kwan Yew, o seu ser faleceu no dia 23 de março de 2015, com 91 anos, o nome perdurará sempre além de si. Ele, a pessoa neste nome fundou a moderna Singapura, aquela que conhecemos hoje, desenhada em edifícios altos, modernos, a que é uma referência financeira, empresarial, portuária e comercial do Sudeste Asiático. Tornou-se primeiro-ministro do país durante mais de 30 anos. Nesses anos transformou-lhe a face, impôs uma nova filosofia de governabilidade, gerou um governo considerado autoritário, pleno de intromissão na vida privada dos cidadãos mas que coloca o pequeno território de 716,1 km², a população de 5.47 milhões de habitantes, num dos países com o nível de vida mais elevado do mundo. Segundo dados do Banco Mundial, tem o terceiro PIB per capita por paridade de poder de compra do planeta, tem 3,62 milhões de empregados e supera quase todos os seus vizinhos em dados estatísticos. Num nome, em milhões de nomes, evoluiu de um pequeno porto piscatório ao que é hoje.

Singapura, junção de dois nomes sânscritos, singa – leão e pura – cidade, quase não tem crime. Nas suas regras muito apertadas de controlo da vida dos cidadãos pelo governo, na aplicação de multas para diferentes situações, para nós curiosas, como a proibição de venda e consumo de pastilhas elásticas, multa por cuspir para o chão, multa por não descarregar o autoclismo em casa de banho pública, ilegal andar nu em casa, punível até $50, fumar cigarros que não sejam adquiridos em Singapura ou mesmo multas de $1000 por atirar lixo para o chão. Tudo é cumprido e executado. Estes e outros tantos estranhos preceitos fizeram a cidade do leão numa das cidades mais limpa, organizada e regrada do mundo. No meio do silêncio da nossa conversa pensei… como pode haver equilíbrio entre o desenvolvimento, o bem-estar económico, as liberdades e a vida privada dos cidadãos? Perguntei a Yang. Não me respondeu uma surpresa. Falou-me das suas condições de vida, do seu bom emprego e do salário, da sua educação, do conforto da sua família, da sua liberdade, a que acredita ter.

Perguntei-lhe, então, que caminho trilhaste? A sua resposta descreveu-me o mérito, a determinação, o empenho e ele, Yang, adiantou-me que o maior exemplo dessa determinação foi Lee Kwan Yew, o homem atrás do nome, na sua construção de um país em que a pedra de toque foi a meritocracia, o compromisso, a forte aposta na educação de excelência, a vontade e a determinação. Há, ainda, atrás desse nome também, a restrição de liberdades e na interferência na vida privada das pessoas, relembrei-lhe eu.

Todavia, pela nossa conversa, percebi que Lee Kwan Yew era um homem determinado, autoritário, formal e protocolar, tal como o Presidente de Singapura e o seu filho, atual primeiro-ministro, o referiram no seu funeral. Geriu os destinos de Singapura com mão de ferro.  

Yang contou-me que, num dos seus discursos marcantes, acusado de ser autoritário, respondeu que “sou frequentemente acusado de interferir na vida privada dos cidadãos. Sim, se não o tivesse feito, não estaríamos aqui hoje. E digo, sem o mínimo de remorsos, que não estaríamos aqui, não teríamos feito progressos económicos, se não tivéssemos interferido em assuntos muito pessoais – quem é o seu vizinho, como vive, o barulho que faz, como cospe, ou que língua usa. Nós decidimos o que é certo. Não interessa o que as pessoas pensam.”

Ouvi as palavras de Lee Kwan Yew contadas por Yang. Inundei-me de dúvidas sobre a sua visão? Para Yang e para os singapurenses, Lee Kwan Yew foi o construtor e pai desta nação. A ele, à sua visão estratégica e ao empenho de todos se devem todos os progressos feitos nas últimas décadas. Nestes dias, durante uma semana, uma vasta maioria da população prestou homenagem ao antigo primeiro-ministro no Parlamento. Milhares aguardaram em média 11 horas para entrar.

O telefonema quase terminara. Não havia mais palavras para dizermos…havia só o eco de um nome, de muitos nomes.

Despedi-me de Yang e do seu povo, deixando-o caminhar para o seu minuto de silêncio em sintonia com aquele feito em Singapura, mas num jardim japonês de cerejeiras em flor, a milhares de quilómetros, junto com outros. Desliguei o telefone, fiquei em silêncio também eu, sozinho com as perguntas que não me abandonavam e continuam presentes hoje, como tratará estes nomes, como tratará a história o pai de Yang, Lee Kwan Yew, e que caminho seguirá a cidade dos leões na moldagem do seu futuro?