28 Setembro 2015      01:50

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JOSÉ ELIZEU PINTO

TRIBUNA ALENTEJO (TA) - Porque é que se candidata à Assembleia da República?

José Elizeu Pinto (JEP) - Em condições normais, tal coisa não me passaria pela cabeça, neste momento. Teria imaginado essa possibilidade, há vinte ou trinta anos atrás, dada a constância da actividade cívica e política que mantenho, desde muito jovem. Em coerência, entendo deverem ser os jovens, preferencialmente, a assumir a primeira linha do combate político, desde logo, no parlamento.

Acontece que não vivemos em condições normais e a excepcionalidade das circunstâncias políticas leva-nos, por vezes, a tomar decisões improváveis, designadamente quando as pessoas com que trabalhamos entendem ser essa a solução que melhor serve o colectivo.

A decisão de encabeçar a candidatura do Bloco de Esquerda pelo distrito de Évora foi equacionada como um imperativo de consciência, não apenas pela conformidade das minhas convicções com o projecto político submetido a sufrágio no próximo dia 4 de Outubro, mas também pela identidade da leitura política sobre a situação de emergência nacional que atravessamos, condições que não me permitiram, em consciência, recusar o convite.

 

TA - Que diferenças existem entre esta candidatura e as restantes?

JEP - Não sei se a pergunta se refere às diferenças entre as candidaturas concretas que se apresentam a sufrágio pelo círculo eleitoral de Évora ou se, pelo contrário, estão em causa as diferenças entre os projectos políticos que lhes subjazem, abstraindo-nos da sua expressão e configuração locais. Não me parecendo que a primeira acepção possua grande relevância ou interesse, ater-me-ia à análise das divergências políticas essenciais que apresentam.

Ainda assim, não é possível, em meia dúzia de linhas, fazer essa demonstração. As candidaturas são muitas e diversas e, naturalmente, também o são as características que as distinguem e os propósitos que as animam. Tão pouco me parece meritório esse exercício, a não ser que o limitemos às candidaturas eleitoralmente mais significativas.

A candidatura do Bloco de Esquerda possui uma marca distintiva fundamental: a recusa liminar da política de austeridade como caminho sem alternativa para a “crise”. Já a coligação de direita – e o próprio PS – o afirmam com única solução. Esta divergência de fundo encerra, em si própria, a diferença fundamental que caracteriza as visões sobre a situação do país e as soluções por ela exigidas que, necessariamente, determinarão as políticas que uns e outros virão a adoptar, em caso de vitória eleitoral.

À esquerda, o BE compartilha com o PCP (CDU) uma boa parte do diagnóstico da situação do país, desde logo a avaliação do pretexto instrumental da “crise” e da dívida soberana para justificar o empobrecimento geral do país, entendendo que a sua maior fragilidade e dependência o tornarão uma presa mais dócil e apetecível à voracidade predadora do capital financeiro especulativo que manda na economia e corrompe os políticos, usando-os como homens-de-mão. Já quanto ao caminho a percorrer e aos meios para atingir o objectivo comum – resgatar a soberania do país, gerir as condições da nossa permanência na zona euro, realizar as rupturas necessárias para promover uma política alternativa – nem sempre é fácil conseguir a consonância necessária a uma convergência política efetiva.

 

TA - No seu entender, quais são os pontos fortes do Alentejo?

JEP - Do ponto de vista do desenvolvimento – um termo (e um conceito associado) que desapareceu do léxico da economia, ultimamente, substituído pelo seu parente pobre, o crescimento – o Alentejo apresenta importantes vantagens comparativas e um potencial endógeno relevante.

Desde a segunda metade dos anos setenta, do século passado, que sucessivos diagnósticos vêm acordando nas virtudes do Alentejo que poderão converter-se no sustentáculo do seu desenvolvimento. Os produtos regionais certificados (queijos, vinhos, enchidos, azeites), as rochas ornamentais, a cortiça e os produtos do montado mediterrânico, a agro-indústria mas, também, as capacidades formativas de mão-de-obra qualificada, as acessibilidades, o património natural e edificado, a faixa costeira, a paisagem, o equilíbrio ecológico e ambiental, a “qualidade de vida”, o silêncio, a gastronomia, o artesanato… são apenas alguns exemplos incontroversos desse potencial.

 

TA - E os fracos?

JEP - Estes são mais fáceis de identificar, porquanto se reúnem num único “pacote”, ainda que passível de várias designações: negligência política, má vontade política, retaliação política, em suma, opção política.

Naturalmente algumas desvantagens “congénitas” existem no território alentejano que se opõem ao seu desenvolvimento. Mas essas não são, nem de monta nem de natureza, diversas das que encontramos em qualquer outra região, sem que por essa razão se convertam em obstáculos intransponíveis ao seu progresso.

O que está em causa são opções e modelos de desenvolvimento que têm encontrado nos governos que se sucedem, ao longo de mais de quarenta anos, um consenso permanente, ditado por conveniências e vantagens políticas de circunstância, equivalentes e transversais nos ideários e práticas políticas de quem tem conduzido os destinos do país, mais à direita ou menos à direita.

Concluindo, diria que os pontos fracos são mais exógenos do que os pontos fortes, uma vez que radicam muito mais na vontade política (ou melhor, na falta dela) de quem nos governa, a partir de Lisboa, para quem, nos momentos decisivos, representamos apenas 1 português em cada 20 ou, dito de outra forma, 8 deputados em 230.

 

TA - Ainda se justifica utilizar os termos “esquerda” e “direita” em política?

JEP - Mais do que nunca. Uma parte substancial dos desmandos da governação (da actual e das que a antecederam) foi conseguida à custa de uma ideia peregrina que vem fazendo o seu caminho e deixando uma marca ideológica impressiva na política portuguesa e europeia: diferentes governos, uma só política. A ideologia da inevitabilidade.

A ideia de que não existe alternativa à austeridade, de que não há outras soluções para os problemas do país fora de um quadro de políticas restritivas e recessivas, em que são sempre os mesmos a pagar a factura, é o novo dogma de uma ideologia velha, que se reinventa e transmuta ao sabor das conveniências momentâneas das elites capitalistas, ávidas de dividendos numa vertigem que o ritmo da produção de riqueza já não aguenta. Importa, assim, substituir o modo de produção tradicional por um outro, mais célere e eficaz, assente na especulação.

O exemplo recente da Grécia, cujos eleitores ousaram contestar este preceito novo, rejeitando nas urnas a política velha que os conduziu ao descalabro, é bem demonstrativo de que a soberania da vontade do Povo – apanágio dos regimes democráticos – estará, doravante, condicionada à verificação da conformidade da escolha popular aos ditames de burocratas a que não assiste qualquer legitimidade, serventuários de um sistema concebido à medida dos interesses de uns quantos poderosos que nada se importam com a legitimação pelo voto e outras ‘minudências’ requeridas pela Democracia.

À esquerda continua a estar cometido o papel histórico de dar voz e acautelar a defesa dos interesses dos mais fracos (dos trabalhadores precários, dos desempregados, dos pensionistas e reformados, das criancas e jovens sem acesso ao ensino, dos doentes arredados dos cuidados de saúde) agora reiterado pela necessidade de demonstrar o embuste da direita, ao inaugurar esta novidade de os pretender confundir – com intentos deliberadamente falaciosos – com os interesses dos mais fortes (o capital financeiro, os políticos corruptos, os traficantes de influências).

A gestão da “crise”, por parte do actual governo e da maioria de direita que o sustenta, tem sido exemplar na demonstração da profunda desigualdade com que pobres e ricos têm vindo a ser chamados a suportar os seus efeitos, sendo que apenas os últimos são responsáveis por ela.

 

TA - Portugal virado para a Europa e para a União Europeia, ou não?

JEP - Europa e União Europeia são duas realidades distintas. Tal como distintas são a União Europeia e a Zona Euro.

O Bloco de Esquerda defende a permanência de Portugal na União Europeia e na Zona Euro, já que a Europa é uma realidade geográfica e geopolítica inelutável, embora tenha severas críticas a apresentar ao actual modelo europeu e, designadamente, ao papel das instituições europeias nos desenvolvimentos mais recentes das suas políticas interna e externa.

O modelo social europeu tem sofrido sucessivos aleijões, estando hoje muito longe do figurino que norteou a sua conformação original. A Europa da paz, da concórdia e da solidariedade deu lugar a uma Europa que, à semelhança dos governos nacionais, ficou refém das conveniências do capitalismo selvagem que os tutela, com as suas instituições capturadas na mesma teia que aprisiona as administrações nacionais e as coloca ao serviço de interesses ilegítimos, alheios e opostos aos dos seus respectivos povos.

Neste sentido, ao invés da detenção do poder por burocratas mercenários sem qualquer legitimação popular, defendemos que as instituições europeias deverão ser democraticamente autenticadas e postas ao serviço do bem comunitário, para cuja tarefa devem concorrer as administrações nacionais.

 

TA - Regionalização: sim ou não?

JEP - A regionalização constitui um tema ultimamente arredado da agenda política da generalidade dos partidos, incluindo aqueles que foram, historicamente, os seus paladinos.

Há quarenta anos atrás, consagrámos a regionalização como paradigma de administração e governo do território, dando-lhe força constitucional.

Ao longo de quatro décadas pouco mais foi feito, a esse respeito, do que discutir modelos de regionalização, configurações territoriais, critérios de delimitação administrativa, sistemas de articulação autárquica, padrões de autonomia e de governança e concepção teórica correspondente de estruturas hierárquicas funcionais.

Durante todo esse tempo, a regionalização foi sendo pasto de propostas e programas eleitorais e invariavelmente esquecida após o termo da contagem dos votos.

Quarenta anos depois, nenhuma abordagem séria do assunto poderá dispensar uma nova discussão sobre os factores condicionantes da sua efectivação, uma boa parte dos quais são novíssimos e, como tal, tornam obsoleta uma considerável porção dos adquiridos sobre o assunto.

O Bloco de Esquerda é favorável aos princípios da desconcentração e da descentralização dos poderes executivo e deliberativo, associados à própria ideia de regionalização, mas entende que uma reflexão séria sobre a questão, sob a forma de um debate nacional, deverá ser sempre prévia à decisão, nesta matéria.

 

TA - Se pudesse fazer um só projeto pelo seu círculo eleitoral, qual seria?

JEP -Devolver aos cidadãos os serviços e funções de proximidade de que foram privados, ao longo destes anos de governação.

Nas suas múltiplas combinações – PS, PSD, PS/PSD, PS/CDS e PSD/CDS (já as amargámos todas) – entre privatizações e “reformas”, afadigaram-se a “cortar nas gorduras do Estado”, “racionalizar os serviços de saúde”, “ordenar o parque escolar”, “implementar o novo mapa judiciário”, “reorganizar os transportes”, “entregar as empresas públicas a gestores mais competentes” e por aí adiante.

Independentemente do nome com que foram baptizadas, todas essas “reformas”, sempre feitas em nome do Povo, tiveram como consequência (por vezes, única), dificultar – ou, mesmo, impedir – o seu acesso aos serviços públicos, cuja proximidade lhes garante a satisfação de alguns dos direitos básicos consagrados na Constituição da República.

 

TA - Como vê o Alentejo em 2020?

JEP -Depende da evolução política próxima. Se não houver uma ruptura política profunda no rumo da governação que temos tido, em termos das opções estratégicas para o desenvolvimento do interior do país, certamente testemunharemos a degradação progressiva dos indicadores pelos quais são tradicionalmente medidas as assimetrias inter-regionais.

O abandono das regiões interiores acentuará, de forma inexorável, o processo de desertificação e, com ele, veremos agravarem-se as perspectivas de desenvolvimento sustentado das economias locais. O encerramento de escolas, centros de saúde, tribunais e demais serviços públicos, a penúria de transportes públicos e o comprometimento das acessibilidades, o desaparecimento da oferta de emprego ou o seu confinamento ao mercado social, configuram um cenário que prenuncia o colapso e a morte destas comunidades, com graves repercussões no equilíbrio do ordenamento territorial, na estabilidade demográfica dos centros urbanos que acolhem as populações migrantes e na consequente disrupção do seu tecido social.

Se, pelo contrário, ocorrer uma alteração drástica na actual praxis (porque dificilmente a poderemos conceber como estratégia) relativa às políticas de desenvolvimento regional, no sentido de fomentar o investimento e criar condições excepcionais para a expansão da actividade económica em torno de polos disseminados estrategicamente pelo território, capazes de gerar condições de atractividade e fixação de população, designadamente em torno dos valores da preservação ambiental, da qualidade de vida, da instalação de indústrias não poluentes, de uma agricultura sustentada, da exploração equilibrada de recursos naturais únicos, da valorização turística do património paisagístico e edificado, da aposta na qualificação de produtos autóctones e na prioridade à adição de valor feita localmente, poderemos estar perante o desenvolvimento de um cenário diferente, já em 2020.

 

(Redigido com assumido e militante desrespeito pelo AO90, vulgarmente conhecido por “Acordo Ortográfico”.)