9 Novembro 2015      11:23

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JÁ FOI DERRUBADO O MURO EM BERLIM?

"A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida."  Disse o espanhol Miguel de Cervantes, séculos antes do acontecimento que hoje se celebra.

Foi pela Liberdade que, no dia 9 de novembro de há 26 anos, o mundo estava colado à televisão a acompanhar o desenvolvimento do que se passava em Berlim, na Alemanha.

Quer por alegria, quer por medo, quer por um misto de ambas e outras tantas emoções, o derrube do muro de Berlim deixava o mundo em suspenso e nada seria igual.

Em 1989, o mundo vivia ainda na Guerra Fria e o derrube muro de um muro com 28 anos representou não só uma abertura de um mundo face a outro, de uma Berlim face a outra, mas essencialmente a junção de famílias, de amigos, de amantes; de cidadãos de uma mesma cidade e de um país estilhaçado pela guerra, pela segunda vez.

Quando o muro foi construído em 1961, de um lado o mundo ocidental e do outro o controlo soviético de um pais despojo de guerra. Eram quase 70 quilómetros de pedras, cimento e tijolos, com torres, redes metálicas eletrificadas, arame farpado e vigias apertadas com cães e tropas nada hesitantes, que formavam o muro.

Tudo em nome de duas ideologias fanáticas que nunca tiveram realmente em conta os valores mais sagrados da Humanidade. Não se tratava de uma opção das pessoas: não havia escolhas.

 

Ora ditado por um, ora por outro, o muro, apesar de servir propósitos geopolíticos e económicos, nunca fora entendido por aqueles que sempre puseram valores como a liberdade, o amor, a união, a família, a felicidade à frente de qualquer bandeira, fosse com suástica, fosse com foice e martelo ou qualquer outra. Serão esses os sentimentos que nortearão a natureza humana por muito que qualquer sistema político os tente abafar, seja a ditadura, a democracia, ou outro qualquer; por muito que as pessoas até aceitem reprimi-los ou esquecê-los inicialmente quer por seguidismo, quer por medo ou por entrar na euforia “main-stream”, mais tarde, ou mais cedo, estes sentimentos virão sempre ao cimo. Do caos, da repressão, nascerá sempre mais desejo de liberdade, novas correntes, novas vontades de mudar e de fazer, novas ordens organizacionais e sempre com o Ser Humano no seu centro.

Disse-o há um ano, e direi sempre: as culturas, as famílias, os hábitos e a História não podem ser separados a régua e esquadro e por opção de quem não vive nos locais em questão; notem-se as confusões que se criaram em África e no Médio Oriente por se pensar que basta riscar um papel e desenhar fronteiras, criam separações virtuais que não correspondem aos laços culturais e sentimentais.

Morreu muita gente por culpa de um muro que representava muito mais que isso; no entanto, para todos os que lá morreram. Só na RDA (República Democrática Alemã), a parte leste, a parte russa, foram acusados de desertores 75 mil pessoas que tentaram passar ou fazer passar o muro o que, segundo o código legal da ex-URSS, representava uma punição de dois anos de prisão.

Em 1987, Ronald Reagan, discursando em Berlim, pediu a Gorbatchev que derrubasse o muro e estendeu à Rússia uma mão para a puxar para o Ocidente. 

Conseguiu; pelo menos enquanto Gorbatchev viveu. Depois veio a oligarquia novamente encoberta por sacanas reciclados, pseudo-regenerados e que aos poucos vão deixando cair a pele do cordeiro.

A ex-URSS não podia nunca ter sido democratizada com moldes ocidentais, tal como o Iraque não podia, como a síria não podia. No Iraque ninguém ganhou; na Síria ninguém está a ganhar – se excetuarmos os reles que fazem do tráfico humano um negócio - na Rússia ganharam muitos oligarcas, muitos interesses pessoais, grupais e não estatais e societais.

Tal como antes, estamos de regresso a uma Guerra Fria, no entanto, se a dos anos 80 surge num período de expansão, desenvolvimento e crescimento económico, a atual vem no sentido oposto e dá-se num mundo onde a especulação ordena mais que a realidade. Onde o princípio ético é volátil consoante o benefício e onde uma aliança de hoje representa o conflito de amanhã.

Reagan disse, nesse mesmo discurso, que “liberdade e segurança caminham juntos, que o progresso da liberdade humana só pode reforçar a causa da paz no mundo”. Nem mais, no entanto, e 26 anos volvidos, os muros que agora se erguem são muitos. Não são de cimento, mas são mais repressivos. Dizemos o queremos, pensamos o que queremos, quase que fazemos tudo o que queremos e quando queremos mudar, quando queremos melhor…nada acontece, porque o “sistema” roubou-nos a liberdade, a força da opinião e da superação; da oportunidade de poder fazer e impor valores mais elevados que aqueles que regem quem nos domina.

No dia de hoje, há 26 anos, na maior cidade alemã e uma das que apresenta um dos maiores PIBs municipais, Berlim, verdadeiros sentimentos de alegria, do mais intrínseco do sentimento humano andavam à solta pelas ruas de Berlim. A liberdade e a felicidade das pessoas era contagiante; bares serviam bebidas gratuitas, as pessoas saudavam-se nas ruas como se fossem melhores amigos apesar de nunca se terem visto; Hitler e a ex-URSS eram só sombras do passado face um futuro que a liberdade pintava a esperança e em que os tiros davam lugar aos fogos de artifício.

Esperança de mundo melhor num país que hoje recebe milhares de refugiados e que se divide nessa abertura: os sentimentos humanos de quem não tem memória curta,  misturam-se com outros que querem o regresso dos fantasmas e do terror e que não têm pudor em retirar dos armários bafientos as suásticas, o racismo e a xenofobia.

O muro que outrora era um empecilho à felicidade, passou a ser um exemplo da luta, da esperança por um mundo melhor e foi enviado para todos os cantos do mundo: no estaleiro de Gdansk, Polônia, no Museu Imperial da Guerra de Londres, no Newseum em Washington, em Nova York, no Hawai, em Buenos Aires, Seul, na casa de milhares de pessoas e bem perto de nós, no santuário de Fátima.

Se não sempre, pelo menos hoje, digamos como J.F. Kennedy: “Ich bin eine berliner.”  e tragamos ao nosso Presente os valores da Liberdade e Fraternidade.

 

Luís Carapinha

Diretor

 

Fotos de capa daqui

Outras imagens: 1, 2, 3, 4 , 5, 6 e 7