15 Maio 2015      12:33

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IMIGRAÇÃO

São aos milhares os imigrantes africanos que tentam atravessar o Mediterrâneo rumo ao “sonho europeu”. Quando questionados sobre o porquê da travessia, dos pagamentos elevadíssimos para a fazer (chegam aos 3 mil euros), e do risco de vida que correm, os imigrantes dizem que não fogem para melhorar a vida, mas sim para viver.

Apesar de diariamente se viverem momentos trágicos, só no mês passado desapareceram cerca de 900 imigrantes no Mediterrâneo, depois terem naufragado a 60 milhas da costa da Líbia, quando se dirigiam para a Itália, o país mais afetado por este fenómeno.

Estima-se que chegaram às costas europeias, só desde o início de 2015, cerca de 34.500 imigrantes.

Num momento em que a União Europeia debate a criação de quotas nacionais para acolhimento de refugiados e operações contra o tráfico de clandestinos, essencialmente do norte de África são também várias as vozes que se levantam quer contra o auxílio prestado, quer contra as cotas de acolhimentos, como o caso da Hungria e essencialmente o Reino Unido.

Itália, França e Alemanha são os países mais afetados pela imigração ilegal e começa a ser muito difícil a situação humanitária na ilha de Lampedusa, na Itália, onde já faltam suplementos e condições para acolher os refugiados.

O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank Walter Steinmeier, disse que é fazer mais alguma coisa, ir mais longe: “é necessário ir à raiz do problema, ou seja às condições sociais e económicas dos países de onde provêm os refugiados. E para isso precisamos de um compromisso reforçado, também ao nível financeiro, por parte da UE, no futuro”.

Uma das soluções pode passar pelo envolvimento da Europa na guerra africana, sobretudo nos países mediterrâneo e na Líbia, de modo a acabar com o motivo de fuga dos imigrantes.

 

Num artigo publicado a 20 de novembro, entrevistamos o Capitão-tenente Jorge Chumbo, alentejano, de 43 anos, natural da Vendinha (Concelho de Évora) e que esteve envolvido no patrulhamento e resgate de imigrantes no Mediterrâneo.

Ao comando do Patrulha Oceânico da Marinha Portuguesano, NRP Viana do Castelo, participou, no final de 2014, na operação internacional “Triton 2014”, no mar mediterrâneo a sul da Itália, com o objetivo de detetar, localizar, identificar e impedir a atividade ilegal de embarcações envolvidas no fluxo migratório provenientes do norte de África, bem como prestar assistência humanitária e socorro, se necessário.

Ao longo da missão, sob o Comando Operacional do General CEMGFA e do Controlo Táctico da Agência FRONTEX, efetuaram várias missões de salvamento tendo resgatado largas centenas de pessoas provenientes do norte de África. Do auxílio prestado fizeram parte os cuidados médicos primários e a distribuição de bens alimentares, água, cobertores e abrigo a estes emigrantes que tentam atravessar o mediterrâneo em embarcações hiperlotados e sem condições mínimas de segurança. 

 

Tribuna Alentejo (TA)  - Capitão, antes demais obrigado por ter aceite conceder esta entrevista ao Tribuna. Comecemos então pelo navio; o NRP Viana do Castelo é um dos melhores navios da marinha portuguesa. Qual é a especialidade/as especificidades desta embarcação? Quais as áreas a que se dedica/o tipo de missão mais adequado?

Capitão-tenente Chumbo (CT)  - O NRP Viana do Castelo foi concebido como navio “não combatente” e destina-se prioritariamente a exercer a Autoridade do Estado e a realizar tarefas de Interesse Público nas áreas de jurisdição ou responsabilidade Nacional como as ações de fiscalização, proteção e controlo das atividades económicas, científicas e culturais ligadas ao mar, ao fundo e subsolo marinhos, bem como, as de proteção dos recursos naturais e defesa do ambiente, através da prevenção e combate à poluição marinha. Além disso, o navio tem capacidade para prestar assistência a pessoas e embarcações em perigo, integrando a estrutura de busca e salvamento no mar, para colaborar com o Serviço Nacional de Proteção Civil em situações de catástrofe, calamidade ou acidente, e com as autoridades civis na melhoria da qualidade de vida das populações.

Em resumo, poder-se-á dizer que estes navios estão particularmente vocacionados para atuar na Zona Económica Exclusiva nacional desenvolvendo  tarefas específicas no âmbito, da busca e salvamento no mar, da fiscalização da pesca e do controlo da navegação, em particular, no que se refere aos esquemas de separação de tráfego, da prevenção e combate à poluição marinha e na prevenção e combate a atividade ilegais, como o narcotráfico, imigração ilegal, tráfico de armas e outro ilícitos, em colaboração com outras autoridades nacionais.

É um navio que tem um comprimento de 83 metros, deslocamento de 1850 toneladas, velocidade máxima 21 nós, a sua guarnição é composta por 42 militares.

Neste momento, e para esta missão, temos embarcados mais dois elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um Oficial de ligação Italiano (Guarda di Finanza) e mais uma força de Fuzileiros, perfazendo 64 elementos a bordo.

 

(TA) - Como se sente ao assumir o comando de um navio deste calibre?

(CT) - Foi com enorme satisfação e um particular orgulho que assumi o comando do N.R.P. Viana do Castelo no dia 23 de outubro de 2014. Atingindo uma alta aspiração, que considero no entanto natural, para a qual, muito contribuiu os meus já quase 25 anos de Marinha e vida no mar. Foram muitas as missões na linha da frente e sempre ligadas às operações, uma missão na Guiné-Bissau durante a crise de 1998, onde fomos resgatar cidadãos Portugueses de uma situação de guerra, duas missões na Somália de combate à pirataria e também uma missão em Timor-Leste, 1999-2000, durante o conflito que se instalou nessa altura e que depois levou à criação de um País, Timor-Leste. Participei também em muitas missões no âmbito da NATO a bordo das fragatas portuguesas da classe Vasco da Gama, onde fui chefe do Departamento de Operações. Tudo isto proporcionou-me experiência para agora assumir o Comando no Mar.

 

(TA) O início da missão “Triton” pouco tempo depois de assumir o comando deu-lhe uma pressão extra?

(CT) - Existe sempre uma pressão, mas se nos sentirmos preparados e conhecermos as pessoas com quem vamos trabalhar as coisas ficam mais fáceis, e felizmente não estou sozinho nesta viagem, a minha guarnição dá-me toda a confiança e assim sendo a pressão diminui.

(TA) A missão “Triton” consiste em controlar a emigração clandestina e resgatar refugiados de afogamento, correto? 

(CT) - Sim, a participação do navio de patrulha oceânico Viana do Castelo, na operação TRITON, representa o contributo de Portugal, no âmbito da Agência Europeia FRONTEX, na redução do fluxo migratório ilegal em direção às fronteiras externas da EU, esta é a tarefa primária, mas como em todas as missões os navios são chamados em caso de busca e salvamento no mar a participar nesta tarefa, quando se trata de salvar vidas todos temos de colaborar e deixar a missão primária para trás. Neste sentido o navio está a colaborar com o Centro de Busca e Salvamento Marítimo Italiano, que coordena, a partir de Roma, todos os meios navais nesta área (ilha de Lampedusa e águas territoriais da Líbia).

 

 

(TA) Como é conviver com realidades tão diferentes das nossas quando têm contacto com os refugiados?

(CT) - Esta pergunta toca-me muito no coração e coloca meus sentimentos num verdadeiro rebuliço, estamos a falar de situações extremas da vida humana, quando nos deparamos com crianças em sofrimento e em situações de risco de vida iminente, não existem palavras que expressem convenientemente o que nós vivemos nesses momentos de contacto com pessoas aflitas, é-me difícil escrever e transmitir ao leitor o que se passa.

As pessoas chegam num estado de sofrimento, hipotermia, fome, desidratação, sem vestuário, descalças,  tudo o que querem é ser salvas. Muitos quando entram a bordo, perguntam-nos “ Estamos salvos?”.

O nossa primeira aproximação é de atuar logo nos cuidados médicos primários, a nossa equipa médica tem sido incansável (médico e duas enfermeiras). Colocamos as pessoas numa situação confortável e distribuímos logo comida que as possa aquecer e hidratar, pois muitos já estão há muitos dias no mar expostos a temperaturas muito baixas.

A fase final é tentar ouvir as suas histórias e tentar arranjar reforços positivos para que lhe possamos fazer ver que a sua vida não se esgota aqui.

Em resumo, é difícil assistir ao que se passa nesta área do globo, ninguém está verdadeiramente preparado para enfrentar isto, vamos aprendendo no dia- a-dia, e com o que a situação nos apresenta para esse dia.

 

Se tiver tempo, aconselhamos a leitura do artigo da Euronews: Imigração: um sonho chamado “Europa”

 

Fonte: EMGFA e http://www.marinha.pt/

Imagens de http://www.marinha.pt/

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