6 Maio 2015      15:44

Está aqui

EQUÍVOCOS PROBABILÍSTICOS

Equívocos probabilísticos: O problema da caixa de Bertrand

 

 A sociedade moderna está fundamentada na tomada de decisões baseada em informação, pelo que uma parte considerável das competências que, hoje em dia, são imprescindíveis ao exercício de uma cidadania informada e interventiva, pertencem ao domínio da literacia estatística. Havendo uma enorme diversidade de competências incluídas na literacia estatística poderá considerar-se que têm um objectivo comum: a interpretação e análise crítica de informação numérica, na qual se inclui a informação de natureza probabilística.

Ainda que não tenhamos consciência de tal, são inúmeras as circunstâncias da nossa vida pessoal, social e profissional em que recorremos às probabilidades, seja para a interpretação de informação de cariz probabilístico ou para a tomada de decisão perante situações de incerteza.

Perante um problema de natureza probabilística, relacionado com um fenómeno que nos é familiar, é comum proporem-se soluções sustentadas apenas pelo senso comum e intuição. Mas ao contrário do que seria de supor, esta intuição, baseada em experiências informais da vida quotidiana, é, na maior parte das vezes, prejudicial ao processo de raciocínio necessário à resolução dos problemas de natureza probabilística. A frequente simplicidade aparente destes problemas esconde resultados contra-intuitivos, só atingíveis através de raciocínios complexos.

Um dos mais conhecidos problemas contra-intuitivos, que se encontram na literatura sobre probabilidades, é o problema da “Caixa de Bertrand”, enunciado, pela primeira vez, pelo matemático francês Joseph Bertrand, na sua obra, de 1889, Calcul des probabilités.

 

O problema da caixa de Bertrand

 

Existem três caixas:

- uma caixa com duas moedas de ouro;

- uma caixa com duas moedas de prata;

- uma caixa com uma moeda de ouro e outra de prata.

Escolhe-se aleatoriamente uma das três caixas e extrai-se uma moeda dessa caixa. Tendo-se verificado que a moeda extraída é de ouro, qual a probabilidade de a moeda que permaneceu na caixa seleccionada ser também de ouro?

A solução do problema

Como foi extraída uma moeda de ouro, tem que ser posta de parte a possibilidade de a caixa seleccionada ter sido a que contém duas moedas de prata. Assim, a moeda de ouro deverá ter vindo de uma das duas restantes caixas, caixa A ou caixa C.

Se a escolhida tiver sido a caixa A, a moeda que permaneceu na caixa, após a extracção da moeda de ouro, será outra moeda de ouro. Se a escolhida tiver sido a caixa C, a moeda que permaneceu na caixa após a extracção da moeda de ouro será uma moeda de prata. 

Com base na intuição, o palpite (errado) assume que é igualmente provável a moeda ter vindo da caixa A ou da caixa C.

Na realidade, a caixa A tem duas vezes mais hipóteses que a caixa C de ter sido a escolhida. Vejamos:

- Se a moeda extraída foi a Ouro 1, permaneceu na caixa a moeda Ouro 2.

- Se a moeda extraída foi a Ouro 2, permaneceu na caixa a moeda Ouro 1.

- Se a moeda extraída foi a Ouro 3, permaneceu na caixa uma moeda de prata.

Destes três casos apenas o primeiro e o segundo cumprem o pretendido, existir outra moeda de ouro na caixa de onde se retirou a primeira moeda de ouro. Portanto a probabilidade de a moeda extraída ter vindo da caixa A é 2/3 .

Perante a elevada frequência com que ocorre o equívoco descrito, o problema da caixa de Bertrand deu origem a variações com diferentes graus de complexidade, entre as quais está o jogo de apostas, designado por “Três cartas no chapéu”, descrito no livro de desafios matemáticos de Martin Gardner, “Aha! Gotcha – Paradoxes to puzzle and delight”, e o jogo das portas, usado no concurso televisivo ”1,2,3” e noutros concurso um pouco por todo o mundo, que ficou conhecido como problema de Monty Hall.