5 Junho 2015      12:55

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ENTREVISTA A SUSANA CUNHA

Nasceu no Porto, cresceu em Coimbra e mudou-se para Évora há mais de 20 anos para estudar. Diz que teve o privilégio de cá ficar a trabalhar. É Licenciada em História, Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico e técnica da equipa de conservação do Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora. Mas não é pela sua carreira que a fomos ouvir. A Susana Cunha é apaixonada pelos animais desde pequena, foi eleita em 2013 Presidente do Cantinho dos Animais, a mais carismática associação de defesa dos animais do Alentejo e prefere falar no plural.

 

TA - Fazer o que fazes implica uma paixão particular. Ela começa quando?

Susana Cunha - A paixão pelos animais e preocupação com o seu bem estar vem da infância e adolescência: era frequentemente repreendida por levar para casa animais que encontrava na rua… Quando vim para Évora tomei conhecimento da existência do Cantinho dos Animais através de uma amiga e rapidamente me tornei sócia e voluntária da associação, inicialmente apenas em campanhas pontuais. As dificuldades e necessidades da associação eram tantas e tão variadas que o pontual passou a regular, com maiores responsabilidades, tendo sido eleita para Presidente da Direcção em 2013.

TA - O Cantinho dos Animais é associado a cães e gatos mas é muito mais que isso. Queres explicar?

Susana Cunha - Embora a actividade do Cantinho dos Animais se centre fundamentalmente na recolha de cães e gatos, quer abandonados, quer entregues directamente ao cuidado da associação, na prestação dos cuidados médico-veterinários essenciais ao seu bem-estar e seu posterior encaminhamento para adopção responsável, os seus objectivos vão mais além.

Promovemos a defesa animal, do ambiente e melhoria da saúde pública (nomeadamente através das campanhas de sensibilização, sobretudo junto do público escolar, para a questão da saúde animal e do nosso comportamento, enquanto cidadãos responsáveis por um ou vários animais, perante a sociedade); promovemos várias campanhas de sensibilização acerca da esterilização de cães e gatos como forma de combater o aumento de animais errantes e diminuir o abandono; promovemos a adopção de animais em detrimento da compra; lutamos pela melhoria das condições de vida animal e combatemos a crueldade para com os animais (de companhia e todos os outros) e seu abandono.

Como meio de promoção e também de sensibilização da opinião pública, realizamos, periodicamente, campanhas de adopção de animais, campanhas de sensibilização e esclarecimento nas escolas e Universidade de Évora e promovemos actividades de carácter lúdico e social em parceria com outras entidades/ associações.

 

TA - Évora está a debater a proibição de circos com animais. É um problema com os circos?

Susana Cunha - Enquanto associação de defesa animal não podíamos deixar de apoiar a petição entregue à Assembleia Municipal, em que se pede o fim dos circos com animais em Évora, e louvamos a iniciativa do grupo de cidadãos que a promoveu. Admiramos o espectáculo circense, desde que este não inclua animais.

Os treinos a que são sujeitos são, na sua maioria, muito violentos, sem recurso a qualquer reforço positivo. A forma como os animais são transportados e mantidos entre espectáculos põe em causa o seu bem estar, uma vez que se encontram em severa reclusão, em ambientes anti-naturais e com poucas condições de higiene e privados de qualquer tipo de enriquecimento ambiental.

Consideramos que levar crianças a espectáculos de circo com animais é errado do ponto de vista pedagógico pois os números de circo não recriam os comportamentos naturais dos animais. As actividades que têm sido organizadas pelo grupo que dinamizou a petição, no sentido de alertar e sensibilizar para o que está nos bastidores do circo com animais, têm sido do agrado da população e o número de subscritores da petição (superior a 400) é, de certa forma, indicador da vontade dos eborenses.

TA - Gerir uma associação que tem tantos dependentes de quatro patas não deve ser nada fácil.

Susana Cunha - As maiores dificuldades da associação prendem-se com questões materiais (falta de verbas) e de mentalidades.

O Cantinho dos Animais não tem qualquer apoio fixo de entidades públicas ou privadas. A única fonte de receita fixa do Cantinho dos Animais são as quotas pagas pelos sócios, mas ainda assim o seu valor varia de ano para ano, consoante as desistências e novas admissões. Para além das quotas, a receita provém de donativos esporádicos e do resultado das actividades promovidas pelos membros dos Corpos Sociais (todos voluntários) ou em parceria com associações, empresas e entidades diversas.

As despesas do Cantinho dos Animais, muito superiores às receitas, prendem-se com a manutenção dos animais a cargo da associação e com o normal funcionamento da mesma (honorários dos funcionários, obrigações fiscais, seguros, higiene e segurança no trabalho, conservação, manutenção e reparação de instalações e equipamentos, combustíveis, material de trabalho, material de escritório, comunicações, etc), sendo que a despesa mais significativa é o tratamento médico-veterinário, seja de rotina, como a vacinação e desparasitação, ou de circunstância, como internamentos ou outras intervenções de carácter urgente. Esta despesa ronda os 10 000€ anuais. 

 

TA - Depois as mentalidades. O abandono dos animais é ainda o maior problema?

Susana Cunha - Do ponto de vista das mentalidades, há ainda muito que trabalhar.

Muitas pessoas continuam a comprar ou adoptar animais por impulso, capricho ou moda, sobretudo animais bebés. Os animais crescem, adoecem ou começam a exigir demasiada atenção ou a dar demasiada despesa e são descartados. Por outro lado, a conjuntura económica que atravessamos leva a que algumas pessoas tenham que abdicar dos seus animais por não terem condições para os manter, entregando-os a associações, canis ou abandonando-os na rua. 

Há vários meses que deixámos de poder receber animais por termos as nossas instalações completamente cheias. Todos os dias recebemos apelos de animais encontrados ou de pessoas que querem entregar o seu animal na associação. Tentamos sempre ajudar quem nos contacta, colocando anúncios para adopção, mas nem sempre temos sucesso.

Apesar dos nossos esforços, e face à incapacidade de receber animais e, por vezes, falta de flexibilidade ou boa vontade de quem os quer entregar, muitos continuam a ser deixados amarrados ao portão ou atirados para dentro do recinto.

Por outro lado, e não obstante as campanhas de sensibilização levadas a cabo pelas associações e alguns médicos veterinários, muitas pessoas continuam a não querer castrar/esterilizar os seus animais, permitindo que eles circulem livremente, contribuindo assim para o nascimento de vários milhares de animais que nunca vão ser adoptados e aumento de animais errantes/ abandonados. 

Todos os anos são retirados dos caixotes do lixo várias dezenas de cães e gatos, alguns recém-nascidos, outros já com várias semanas. Alguns destes animais são deixados durante a noite, em caixas ou sacos de plástico, ao portão do Cantinho dos Animais. A maior parte desses animais não sobrevive e o seu sofrimento teria sido poupado se os seus progenitores tivessem sido castrados ou esterilizados.

Já há alguns anos que enfrentamos um problema tão grave como o abandono: o roubo de animais, sobretudo cães. O destino destes animais é a venda directa ou a sua utilização para criação. Alguns destes animais são recuperados em situações absolutamente miseráveis, outros fogem ou são abandonados e tornam-se errantes, nunca sendo recuperados. São vários os casos de animais recolhidos em Évora que foram roubados no Norte de Portugal e recentemente foi recuperado no Montijo um cão (adoptado ao Cantinho dos Animais) que havia sido roubado em Évora um ano antes.

 

TA - Mudar mentalidades é um processo complexo e demorado.

Susana Cunha - Temos esperança que com a entrada em vigor da Lei nº69/2014 de 29 de Agosto, que criminaliza os maus tratos a animais de companhia, as mentalidades e atitudes comecem a mudar. Esta lei prevê multas e penas de prisão para quem maltrate ou abandone animais e foram já registadas várias queixas a nível nacional. Sempre que algum animal é abandonado ao portão do Cantinho dos Animais (ou é recolhido em situação de emergência) é verificada a existência do microchip (obrigatório por lei para todos os cães nascidos a partir de Julho de 2008), contactado o proprietário e, no caso de este não o recolher, é feita uma queixa por abandono às autoridades. Desta forma o autor do abandono é responsabilizado pelo seu acto.

O facto de promovermos a esterilização/ castração (todos os animais adoptados ao Cantinho dos Animais saem esterilizados/ castrados) tem-se revelado positivo e cada vez mais somos contactados no sentido de ajudarmos a esterilizar tanto animais domésticos como errantes/ de colónias. O facto de estas cirurgias serem ainda bastante dispendiosas e inacessíveis a uma grande parte da população é um entrave e gostaríamos que num futuro próximo fosse possível fazê-las a preços acessíveis. O Cantinho dos Animais não tem médico veterinário próprio e todos os actos médicos são realizados no privado.

Todo o trabalho do Cantinho dos Animais é desenvolvido de forma voluntária e contamos com uma pequena equipa de voluntários empenhados e competentes, sobretudo para trabalhar nas campanhas pontuais. Gostaríamos de ter mais voluntários a trabalhar de forma assídua no nosso CAT por forma a podermos melhorar as condições dos nossos animais.

 

TA - E a relação dos Eborenses com o Cantinho dos Animais?

Susana Cunha - De uma maneira geral os eborenses são muito receptivos às nossas actividades, o que nos deixa muito felizes e nos faz continuar o nosso trabalho.

As campanhas de angariação de alimentos que realizamos periodicamente nos supermercados da cidade são muito bem acolhidas e a quantidade de alimento angariado aumenta de campanha para campanha. Graças a esta generosidade e aos donativos em género que vamos recebendo não necessitamos de comprar alimento para os nossos animais (salvo em situações pontuais, de necessidades específicas).

As nossas campanhas de adopção são também muito concorridas, permitindo-nos assim mostrar, fora do contexto de canil/ gatil, alguns dos nossos animais disponíveis para adopção responsável. A par dos animais para adopção, costumamos ter connosco materiais da associação para venda, bem como animação para crianças. Muitas pessoas procuram-nos nessas alturas não propriamente para adoptar um animal mas antes para fazer um donativo, pagar quotas, conversar e muitas trazem-nos fotografias e notícias de animais que foram adoptados à associação.

As nossas Cãominhadas (passeios pela cidade com os cães do Cantinho dos Animais e dos participantes) são muito concorridas e juntam, em média, cerca de 50 cães e respectivos donos/ voluntários. A próxima é já no próximo sábado, dia 6 de Junho.

Procuramos estar presentes em eventos importantes para a cidade, como a Feira de S. João (onde teremos este ano um stand na Alameda Social) e festas e feiras organizadas por outras entidades ou associações. Estas actividades têm grande adesão por parte da população. Ao longo do ano lectivo várias  escolas da cidade organizam campanhas de angariação de alimentos para o cantinho dos Animais bem como outras actividades para angariação de fundos.

 

TA - O que pode mudar as pessoas no seu relacionamento com os animais?

Susana Cunha - O relacionamento de cada um de nós com os nossos animais é algo que depende apenas de nós e da educação que damos e/ou recebemos.

As nossas actividades são muito viradas para as crianças porque achamos que é por aí que as mentalidades vão começar a mudar. É muito frequente, nas nossas campanhas de adopção, os pais levarem as crianças para conhecerem e interagirem com os animais e são já muitos os voluntários e visitantes que levam os seus filhos ao CAT e são muitas as crianças que revelam grande amor pelos seus animais.

Embora consideremos que é a nossa natureza que determina a forma como nos relacionamos com os animais, não podemos ignorar factores como o económico. Muitas pessoas não prestam os cuidados básicos de saúde aos seus animais porque não os conseguem pagar. São frequentes os casos de abandono de animais (sobretudo séniores) com patologias simples de resolver do ponto de vista veterinário, mas muito dispendiosas. Alguns destes animais são colocados na rua, podendo até por em perigo a saúde pública.

São várias as famílias carenciadas a quem o Cantinho dos Animais presta auxílio pontual ou regular no que respeita à alimentação dos animais.

 

O Cantinho dos Animais

A Associação Cantinho dos Animais foi constituída em 19 de Outubro de 1979, tendo sido reconhecida como Pessoa Colectiva de Utilidade Pública em 1988.

O Cantinho dos Animais gere um Centro de Acolhimento Temporário (CAT) para cães e gatos cujo objectivo é albergar os animais em situação de abandono ou vítimas de maus-tratos ou ainda por situações extremas em que os donos ficam impossibilitados de os terem. Posteriormente, é também naquele espaço que os animais recolhidos recuperam e são mantidos nas melhores condições possíveis, até se encontrar uma família de adopção.

Neste momento a associação alberga 126 cães e 32 gatos, tendo ainda cerca de 7 animais em Família de Acolhimento Temporário (FAT).

 

Imagem de capa: Aniversário do Cantinho dos Animais com a equipa.

Restantes imagens do Cantinho dos Animais.

 

Contactos/ páginas:

cantinhodosanimais@gmail.com

http://cantinhodosanimais.blogspot.com

http://animaisdocantinho.blogspot. com (blog dedicado aos animais disponíveis para adopção)

https://www.facebook.com/cantinho.d.animais