8 Novembro 2015      01:00

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ENTRE A ARTÉRIA HUMORAL E A VEIA CÓMICA

No dia 5 de novembro, tive o privilégio de assistir às jornadas científico-pedagógicas promovidas pelo Departamento de Linguística e Literaturas da Universidade de Évora, intitulada o Humor, as Línguas e a Literatura, sendo as referidas jornadas o ponto de partida desta reflexão.

No referido evento, aprendi que o humor, na Literatura e na vida, tem variadíssimas funções: amenizar o caráter trágico de uma determinada situação (o humor também é usado nas tragédias com esse intuito), providenciar um ensinamento a alguém (os leitores de Charlie Hebdo, entre outros, são chamados à atenção para determinadas situações político-sociais), mas mais importante do que isso, o humor porque leva ao riso, é bom para a saúde, já que reduz o stress e a tensão arterial, assim como é equiparado à realização de exercício físico.

Contudo, parece-nos evidente que nem toda a gente tem (o mesmo) sentido de humor e que o que é cómico para mim poderá não o ser para o caro leitor, pois o cómico não existe de per si, pelo contrário, depende de fatores diversos, tais como, a idade, o coeficiente intelectual, a experiência de vida e o estado de espírito do momento.

Do mesmo modo, interroguei-me acerca da relação existente entre riso, humor e cómico, e, segundo o meu entendimento interrelacionam-se como segue: o cómico é o mecanismo pelo qual dois fenómenos distintos interagem: um intelectual, o humor, e o outro, neurofisiológico, o riso, provocado pelo anterior. Deste modo, o cómico provoca necessariamente o riso (ou pelo menos o sorriso), inserindo-se assim no género conhecido como comédia.

A partir desta premissa, comecei a refletir acerca de outro aspeto: a fronteira que separa o cómico do trágico, não se sabendo muito bem onde começa um e acaba o outro. Para ilustrar essa transpenetração de géneros, dou-vos o exemplo da peça de teatro escrita por Edmond Rostand: Cyrano de Bergerac, que ao início parece ser uma comédia, dadas as réplicas espirituais, audaciosas e cómicas do protagonista, nomeadamente na famosa “tirade du nez”, em que o protagonista se entrega a um longo devaneio poético acerca da sua protuberância nasal. Porém, depressa entendemos a carga emocional latente, que aos poucos vai tomando conta da peça, até culminar com a morte de Cyrano.

Nesta peça, é patente o humor, o tom jocoso com que o autor zomba dos pobres de espírito, que mais não têm que a beleza física, contrabalançando-a com a fealdade de Cyrano, dono, em contrapartida, de uma agudeza de espírito fora do vulgar. No entanto, nem isso lhe permite ser correspondido no amor, a não ser, já na hora da morte, pela sua paixão de sempre, a bela Roxanne, que desconhecia que Cyrano sempre tinha sido o verdadeiro e único autor dos poemas que ela recebia, sendo o seu amado, Christian de Neuvillette, o suposto remetente.

Assim, por trás de uma faceta mais alegre e jovial, Edmond Rostand apresenta-nos o drama de um homem mais velho e feio, dilacerado entre a solidariedade que o une a Christian, ajudando-o a conquistar Roxanne com os próprios poemas, e o segredo que guarda nas profundezas do seu ser e que o separa do seu amor de uma vida inteira. Portanto, nesta obra de teatro, manifesta-se um drama pessoal com uma carga emocional muito forte, matizado de alguns momentos de humor, em que se mesclam cómico de linguagem e de situação, que permitem uma constante oscilação entre leveza cómica e carga trágica.

Agora pergunto: o que é o humor, senão um estado de espírito? Tanto podemos estar bem-humorados como mal-humorados, porém, o ser humano na sua conceção entusiástica e otimista da vida optou por atribuir a essa palavra uma conotação mais positiva, no singular pelo menos. Com efeito, o facto de ter sentido de humor é associado a ter uma veia cómica ou, pelo menos, predispor-se ao reconhecimento do que é cómico, enquanto estar com os humores significa estar maldisposto.

Com certeza que já reparou que é muito mais fácil fazer chorar do que fazer rir. Daí, o comum dos mortais não ter jeito para contar anedotas, mas qualquer um tem o dom de nos comover com a história mais patética. Assim, para corroborar esta tese: basta lembrar-se dos filmes que acabam bem (ou mal, tanto faz) e que o caro leitor vê sozinho, soluçando no sofá, às escuras, entre o balde das pipocas e o maço de lenços de papel.